António Costa, defensor da causa da habitação para todos, em especial com os idosos na cidade de Lisboa, comprou uma casa na capital a um casal de reformados para especulação imobiliária. A propriedade em questão foi colocada no mercado passados dez meses pelo dobro do valor. Não foi o único negócio. Segundo a imprensa, realizou mais três no espaço de um ano.

No país vizinho, onde este tipo de histórias fiam mais fino, a compra de uma casa de 600 mil euros nos arredores de Madrid por Pablo Iglesias, líder do partido Podemos, e de Irene Montero, sua companheira e porta-voz no Congresso, conduziu a um referendo sobre o futuro político do casal.

Em 2012, Pablo escrevia no Twitter: ”Entregarias a política económica de um país a alguém que gasta 600 mil euros num apartamento de luxo?”, criticando a compra de uma casa desse valor por Luis de Guindos, na altura ministro da Economia espanhol e actual vice-presidente do Banco Central Europeu. Seis anos depois caiu na própria ratoeira e Espanha fez-lhe a mesma pergunta.

A contestação atingiu uma tal dimensão no país que Pablo decidiu convocar um referendo para decidir o seu futuro enquanto líder e deputado do partido. “Consideras que Pablo Iglesias e Irene Montero devem continuar à frente da secretaria-geral e do cargo de porta-voz parlamentar do Podemos?”, é a pergunta no referendo. Até domingo, os militantes do partido, o segundo na última sondagem do jornal El País nas intenções de votos, a seguir ao Ciudadanos de Albert Rivera, vão decidir o seu futuro e o da sua companheira. Se a resposta ao referendo for “não”, ambos serão obrigados a renunciar aos respectivos cargos.

No Podemos, um partido de extrema-esquerda com um discurso anti-capitalista e feroz no ataque aos “crimes” burgueses, consideram intolerável que o líder máximo comprometa a ideologia do movimento na aquisição de um chalé de luxo com piscina, supostamente para viver com a companheira e os dois filhos. Em Portugal, encara-se com normalidade que o primeiro-ministro e líder do Partido Socialista cometa especulação imobiliária à conta de reformados.

A diferença entre o nosso país e Espanha (e grande parte da Europa) é a nossa total apatia política e social enquanto povo. Num país decente, António Costa responderia pela suas acções e as mesmas deveriam ser avaliadas segundo os valores socialistas que este Governo tanto tem apregoado quanto à gentrificação e subida do preço das casas nos centros urbanos.

No limite, enquanto líder de um governo que aceita o inenarrável acto de requisição civil de casas de proprietários privados, António Costa deveria dar o exemplo e colocar as casas que adquiriu à disposição dos mais desfavorecidos a preços abaixo do mercado.

No caso de Sócrates, o partido levou três anos e meio a admitir vergonha, vamos ver por quanto tempo mais este caso vai ser ignorado.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.