Os canais de denúncia são uma das peças mais fundamentais para a sociedade, pois podem revelar as más condutas e irregularidades, seja ao nível de uma empresa, seja ao nível nacional/internacional. Por estes dias, a Europa discute medidas de proteção aos denunciantes e cada vez são mais os casos revelados desta forma, muitos deles envolvendo grandes instituições, o que relembra a mítica luta de David contra Golias.

Por cá, a adoção de canais de denúncia de irregularidades, quer referentes a códigos de conduta, quer à legislação, são já uma boa prática. No setor financeiro, esses canais são uma sólida realidade tanto nas instituições como nas autoridades setoriais. Já noutros setores esta prática é mais recente e foi introduzida como medida de cumprimento legal na Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo. As funções de compliance não devem restringir-se aos canais de denúncia oficiais e, sim, criar outras formas e outros canais, alguns mais informais, que possam aportar outra informação e, inclusive, outros detalhes.

No entanto, quando o que está em causa é denunciar a empresa onde se trabalha, por vezes coloca-se um dilema, o qual não existe apenas do ponto de vista das possíveis retaliações pessoais, como o despedimento ou outras represálias, mas surge, muitas vezes, pelo facto de se poder estar a julgar incorretamente uma situação afetando o futuro de muitos outros. Onde traçar a linha da queixa, entendida como envolvendo descontentamento pessoal, e a da denúncia, encarada como uma forma objetiva? Numa formação a que assisti surgiam questões como “outros que denunciem”, “vou ter problemas por me intrometer?”, e “será que vale a pena?” ou “estou a ver isto mal”, entre outras.

Existe, ainda, a cultura das instituições e o seu reflexo nos canais de denúncia. Numa cultura mais aberta, na qual felizmente trabalho, os canais de denúncia são pouco utilizados por existirem outros canais, mais informais, de comunicação. Numa cultura mais severa, os canais de denúncia são pouco utilizados com medo de retaliações. O que fazer? Entre outras medidas, prestar muita atenção pois a cultura não está escrita nos códigos de ética ou conduta.

Nenhuma legislação enfrentará eficazmente estes dilemas ou conseguirá impor uma cultura. A meu ver, compete à sociedade em geral, às autoridades, à gestão de topo das instituições e aos profissionais de compliance, passar a mensagem que a denúncia é uma prática saudável e que, quando bem elaborada, dará origem a melhorias, em vez de permitir que os denunciantes sejam vistos como “queixinhas” ou indivíduos mal-intencionadas, aos quais teremos de garantir proteção e anonimato por agirem corretamente. A cultura muda-se com ações e bons exemplos e não apenas com legislação.