O que tenho ouvido sobre o tema da eutanásia é deveras assustador e preocupante. E quando consigo eliminar o ruído, os clichés e os améns, fica o egoísmo, o desprezo, o nonsense e a ignorância.
Vamos lá ver se nos entendemos naquilo que é o mais básico e evoluímos a partir daí. “Defender a vida” TODOS defendemos. No question about it!
O que começo aliás por não perceber, e que não deixa de ser curioso, é que os que se mostram virgens ofendidas com a palavra eutanásia, não falam no suicídio. Apesar de todos defendermos a vida, o preconceito para com as doenças mentais – e podemos falar apenas na depressão, que tantas vidas tira – mantém-se.
Não há sequer qualquer apoio do Estado ou de privados a este “problema” que afecta cada vez mais pessoas. As consultas de psicologia não são cobertas pelos seguros de saúde, as baixas médicas são mal vistas, os “amigos” afastam-se e as pessoas acabam, muitas delas, por entrar numa espiral depressiva que as conduz ao suicídio. Claro que esse não é nem pode ser criminalizado. Querem antes pensar nisso? Porque até chegar a tal extremo, houve alertas, houve seguramente pedidos de ajuda, mais ou menos explícitos, existiam meios, terapias… havia tempo! E, sobretudo, havia cura. Ou pelo menos uma relevante melhoria.
Falando em números, os portugueses gastaram mais de 30 milhões de euros em embalagens para a depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental. Em 2016, saíram das farmácias mais de 30 milhões de embalagens, o dobro de 2012 (cerca de 15,2 milhões). O consumo total de 2016 face a 2012 aumentou 97%, com os antidepressivos a registarem um aumento de 112%. (Fonte: Relatório do Programa Nacional para a Saúde Mental divulgado pela Direcção Geral de Saúde).
Há que actuar e despender todos os meios e recursos na prevenção deste tipo de patologia, responsável em 2012 por uma taxa de suicídio de 8,2 por 100 mil habitantes (Fonte: OMS). A nível mundial, é registado um suicídio a cada 40 segundos.
Voltemos então à eutanásia. Vêm dizer que defendem a vida no momento em que uma pessoa que sente que está na sua fase terminal, em que não existe na medicina solução para o seu estado, que é de sofrimento profundo, senão físico, emocional, que rouba a vida a quem a rodeia, que tem de estar presente, tem de apoiar, tentar ajudar, esconder o seu próprio sofrimento, inventar palavras e conversa que já não fazem sentido…
Querem dizer-me que se eu me encontrar numa situação destas não tenho o direito a decidir que quero morrer? Não tenho o direito a deixar de sofrer e a devolver a vida a quem me rodeia? Tenho sim. Sobre a minha vida e sobre a minha morte, sou eu que decido! Porque, no limite, a morte faz parte do ciclo da vida. Representa o seu fim. E se eu sou responsável e responsabilizada por todas as decisões que tomo em vida, a decisão de lhe pôr fim também não pode ficar fora disso.
Para informação pública e da minha família, fica já aqui dito que mesmo sem sofrer fisicamente, drunfada que esteja, no dia em que estiver totalmente dependente de terceiros, agarrada a uma cama, em que o tempo de maior acalmia (porque seguramente não lhe posso chamar prazer) que possa ter em viver seja inferior àquele que me atormenta, que rouba tempo e vida aos outros e em que seguramente não há conhecimento na medicina que me livre de tal situação, eu quero morrer.
E se, para tal, preciso da ajuda de terceiros, não tenho a menor dúvida de que a situação em que me encontro é do mais horroroso que posso imaginar. Não admito sequer que me retirem essa liberdade.
Espero que não exista qualquer dúvida de que quem está num estado físico e emocional que “pede” a eutanásia, não tem vida. Não tem esperança. Não tem nada. E isso não é viver! Nem para a pessoa que apenas sobrevive – ou talvez nem isso lhe possa chamar – nem para quem a rodeia e ama. Sobreviver tem subjacente uma perspectiva temporal limitada. Um estado do qual se sairá, de alguma forma, mais tarde ou mais cedo.
Quem pede a eutanásia não está nessas condições. Está aprisionada a um corpo que, por um qualquer fio (ou máquina), se mantém vivo, a atormentar um cérebro que, esse sim, se estiver lúcido então causará uma dor não apaziguável e de uma dimensão inimaginável. E nada disto tem a ver com política ou religião. Tem apenas a ver com liberdades individuais que, em pleno século XXI e num país (que se diz) democrático, têm de existir.
Como diz o jornalista Paulo Ferreira: “A sua legalização não obriga ninguém a aceitá-la para si. Apenas dá direito a cada um de nós a tomar essa opção nas circunstâncias previstas. É assim tão difícil de entender que é o regime actual que limita a liberdade individual e não as alterações propostas?”.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.