Subscrevo por inteiro o que António Costa afirmou sobre Marcelo Rebelo de Sousa a propósito das infelizes declarações acerca dos números apresentados pela comissão que investiga os abusos sexuais praticados por membros da Igreja Católica portuguesa.

O Presidente da República não pretendia menorizar o acontecimento, mas errou e expressou-se mal. Tenho por certo que, tal como qualquer português bem formado e de bom senso, Marcelo Rebelo de Sousa julga que um só caso é uma tragédia, 424 casos são uma enorme tragédia, tal como todos os outros que permanecem sem denúncia e omissos.

O problema é que o inquilino de Belém já falhou por diversas vezes nesta matéria, talvez porque, como católico, o assunto lhe provoque maior urticária e desconforto. Só que Marcelo Rebelo de Sousa é o presidente de todos os portugueses e não apenas de todos os católicos portugueses, e isso não pode ser esquecido, pois a comunidade sente um profundo asco e repulsa por todos os crimes de pedofilia.

A Igreja está a viver uma crise e a sua gestão é difícil. Porque na gestão comunicacional de crise uma das premissas é que o assunto morra rapidamente com o menor dano reputacional possível a quem a sente. Ora, parece que estamos no início de uma bola de neve que rola e provoca uma avalanche, logo, este é um tema que vai continuar na agenda mediática e a enlamear uma milenar instituição que merece o respeito de todos.

Só que há séculos que a Igreja vive numa arreigada cultura de silêncios, de omissões, de encobrimentos e de protecção aos seus pastores. Assim sendo, o momento é tão grave que ninguém perdoará mais silêncios coniventes, mentiras debaixo do pano ou encobrimentos mórbidos.

Toda a postura da Igreja é inimiga da palavra-chave da relação de todos os poderes com as pessoas no século XXI: transparência.

Exige-se transparência para não perder a ligação com os crentes e afastar as espúrias sombras e desconfianças da comunidade. Agir sem tergiversar na punição dos que impiedosamente prevaricaram, profanando o seu magistério e, acima de tudo – e face às denúncias onde se sabe que há padres que se mantêm em funções – expurgar os capitais pecaminosos, pois as raposas não podem estar dentro do galinheiro.

E Marcelo Rebelo de Sousa, que era (e é) um excelente professor, tem de aprender uma lição: a atracção fatal que tem por microfones é mesmo fatal na política. Ele é Presidente da República não é comentador, não tem de comentar tudo e nada. Preserve-se! É um conselho.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.