Rezam as crónicas que um dia Augusto Pinochet afirmou: “eu não sou ditador, tenho é um ar carrancudo”. Marcelo Rebelo de Sousa é a antítese, não é ditador nem carrancudo, optou pela linha dos afectos em Belém, em contraponto com o seu antecessor no cargo.
Cavaco Silva nunca despiu na sua acção política o manto da gravitas que se impõe aos mais altos cargos. Ao contrário, Marcelo Rebelo de Sousa eximiu-se de a vestir, optou pela naturalidade e proximidade que muitas vezes o penalizam pelo excesso de facilitismo e exagero nas aparições e comentários.
O Presidente da República viveu uma semana difícil, praticamente um filme de terror para a sua reputação pública, devido às incontinentes declarações sobre as denúncias de abusos sexuais da Igreja portuguesa que foram para ele uma hecatombe de críticas.
Como aqui expliquei na semana passada, numa gestão de crise, uma das premissas essenciais é matar rapidamente o assunto com o menor dano reputacional possível para quem a atravessa. Ora, a escapatória, a manobra ardilosa tecida por Marcelo Rebelo de Sousa, foi falar em Pedro Passos Coelho.
Usou o nome do ex-líder do PSD para aliviar e fazer “damage control” da sua crise, tentando com isso repelir e apagar o disparate das suas intervenções sobre a Igreja, metendo outro tema (o de uma possível candidatura presidencial de Pedro Passos Coelho) na agenda mediática.
E também porque um dia antes, quem apareceu no papel de Mitch Buchannon (a personagem principal de “Baywatch”), como nadador-salvador de um Presidente da República à deriva, foi António Costa que, com enorme astúcia defendeu o seu aliado de Belém, deixando-o à mercê do seu apoio.
Marcelo Rebelo de Sousa não se deixou cair nesse abraço, não queria ficar refém do colo do primeiro-ministro do PS e também precisava de uma marca forte dentro do PSD para voltar aos braços da sua família política, que também o criticou. Ora, nenhuma marca é mais forte actualmente entre os sociais-democratas do que Pedro Passos Coelho.
Disse Pedro Santana Lopes na CMTV que Passos Coelho não gostou do que ouviu. É natural, ninguém gosta de ser usado por outrem a qualquer preço e sem manifestada autorização, sobretudo porque é sabido que não existe qualquer empatia entre ambos. Basta lembrar o dia em que uma moção de estratégia ao Congresso do PSD (nos tempos em que Passos Coelho era líder) defendia que o partido não iria apoiar para Belém alguém que fosse um “catavento”.
Pedro Passos Coelho terá um futuro. O que ele quiser. E terá sempre uma gravitas própria. E todos temos a certeza de que a opção “selfies” e declarações a torto e a direito não fazem parte do seu perfil nem modus operandi. Marcelo Rebelo de Sousa usou o nome de um homem que não gosta de espectáculos circenses, talvez por isso não morra de amores por ele.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.