Esta foi apenas uma das muitas expressões bombásticas que o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, utilizou recentemente numa das suas quase diárias aparições televisivas. Destinava-se a mesma a caracterizar a atuação daqueles, e são muitos, que põem em causa a sua legitimidade para continuar a liderar o projeto leonino, indelevelmente marcado pelos tristes acontecimentos dos últimos meses, que culminaram nas agressões aos jogadores da equipa de futebol perpetradas em pleno centro de estágio em Alcochete.
Na sequência da escalada de tensão entre elementos dos órgãos sociais do Sporting Clube de Portugal, bem como entre os seus adeptos, com alguns dos anteriores indefetíveis de Bruno de Carvalho a pretender tirar-lhe o tapete, o universo leonino tem conhecido uma agitação nunca de antes registada, com sucessivas trocas de acusações e constantes apelos a um conselho diretivo, liderado por Bruno de Carvalho, para que se demita e dê a voz aos sócios, para que estes possam relegitimá-lo ou deixá-lo definitivamente cair.
De um lado, aparece a mesa da assembleia geral, liderada por Jaime Marta Soares, que pretende, fazendo uso de competências que lhe são estatutariamente conferidas, agendar uma assembleia geral destitutiva, que faça cair o que resta, e já não é muito, do conselho diretivo leonino. Do outro, Bruno de Carvalho, que resiste estoicamente, contra tudo e contra todos, fazendo finca-pé em não abandonar a nau sportinguista, nem que para isso tenha que “torcer” as regras estatutárias e convocar assembleias gerais que procurem legitimar decisões tomadas ao arrepio da lei.
Do ponto de vista jurídico, e é apenas esse que nos interessa, Bruno de Carvalho não tem qualquer razão. Na realidade, analisemos, à luz dos estatutos do Sporting Clube de Portugal, os motivos invocados por Bruno Carvalho para querer permanecer no cargo, para contestar o agendamento de uma assembleia geral extraordinária por parte de Jaime Marta Soares e para nomear uma comissão transitória da mesa da assembleia geral do clube: advoga Bruno de Carvalho que Jaime Marta Soares não tem legitimidade para convocar a referida assembleia geral, porque o mesmo terá renunciado ao cargo. Ora, de acordo com o artigo 37º dos estatutos do Sporting Clube de Portugal, em caso de cessação antecipada do mandato dos titulares dos órgãos sociais, mantêm-se os mesmos em funções até à tomada de posse dos sucessores. Ou seja, ainda que Jaime Marta Soares tenha, efetivamente, apresentado a sua renúncia ao cargo de presidente da mesa da assembleia geral e a mesma tenha produzido efeitos (de acordo com o artigo 39º dos estatutos a renúncia do presidente da MAG deverá ser apresentada ao presidente do conselho fiscal e disciplinar), o mesmo continuaria, até à tomada de posse dos seus sucessores, em funções. Este aspeto é, aliás, reforçado pela leitura do disposto no artigo 39º dos estatutos, que refere que se a renúncia constituir causa de cessação do mandato da totalidade dos membros do órgão (e, neste caso, tendo em conta o disposto no artigo 37º, e registando-se renúncia, não só do presidente, como da vice-presidente, como se anuncia ter-se verificado, haveria cessação do mandato da totalidade da MAG) a referida renúncia só produzirá efeito com a tomada de posse dos sucessores, salvo se, entretanto, for designada comissão de gestão ou de fiscalização. Ora, defende Bruno de Carvalho que a anterior MAG já cessou as suas funções, uma vez que a renúncia produziu efeitos com a designação, por parte de Bruno de Carvalho, de uma comissão transitória da MAG, a qual determinou a cessação de funções da anterior MAG.
Acontece que, como é bom de perceber, através da leitura do artigo 56º dos estatutos do Sporting Clube de Portugal, o conselho diretivo não dispõe de competências para nomear a qualquer comissão transitória da MAG, como, aliás, já terá entendido, pretendendo, agora, introduzir, em assembleia geral extraordinária, convocada por um órgão sem legitimidade, fazer passar uma alteração estatutária que venha sanar a ilegalidade entretanto cometida.
Uma leitura, ainda que superficial, dos atuais estatutos do Sporting Clube de Portugal permitirá a qualquer aluno do primeiro ano de uma Faculdade de Direito perceber que as referidas comissões de gestão e de fiscalização só poderão suprir transitoriamente a ausência de conselho diretivo ou do conselho fiscal e disciplinar, de acordo com o disposto no artigo 41º dos estatutos, sendo a sua designação da responsabilidade do presidente da assembleia geral e não do conselho diretivo. Assim, verificam-se, aqui, dois vícios: primeiro, a assembleia geral não pode se substituída por uma comissão de gestão e de fiscalização; segundo, as comissões de gestão e de fiscalização, a serem designadas para transitoriamente superar a situação resultante da cessação de mandato de conselho diretivo ou de conselho fiscal e disciplinar, só podem resultar de uma decisão do presidente da MAG.
Resta, pois, saber se o facto de o presidente da mesa da assembleia geral, Jaime Marta Soares, ter, eventualmente, renunciado ao cargo lhe retiraria legitimidade para lançar mão dos poderes que os estatutos lhe conferem, nomeadamente de convocar uma assembleia geral extraordinária. Ora, os estatutos do Sporting Clube de Portugal, máxime, no seu artigo 43º, nada dispõem sobre uma eventual perda de legitimidade do presidente da MAG, ainda que demissionário, para convocar uma assembleia geral. Na realidade, esta pode, de harmonia com o disposto nos artigos 51º e 52º, por iniciativa do presidente da MAG, ser convocada, não necessitando, ao arrepio daquilo que tem sido dito e repetido pelo presidente do conselho diretivo, ser requerida por sócios efetivos, no pleno gozo dos seus direitos, com o mínimo de 1.000 votos.
E, de acordo com a alínea d) do nº 1 do artigo 51º dos estatutos, a assembleia geral extraordinária pode votar a revogação com justa causa do mandato dos titulares dos órgãos sociais.
Fácil é, assim, concluir, através de uma leitura atenta dos estatutos do Sporting Clube de Portugal, de que lado está a razão do ponto de vista meramente legal. Longe de nós nos aventurarmos sobre quais as razões extrajurídicas que devem prevalecer. É matéria que cabe aos sócios do Sporting Clube de Portugal decidir. Assim, a sua soberania seja permitida pelos órgãos sociais.