Todos os condutores, habituais ou ocasionais, cometem infrações às regras de trânsito. É provável termos tido de pagar coimas por estacionamento indevido. Por vezes fazemo-lo, mesmo quando não concordamos com o motivo.

Pois bem, Joshua Browder, um estudante da Universidade de Stanford, nascido em 1997, péssimo condutor, e a quem a família recusou apoio para pagar multas, decidiu estudar decisões sobre as infrações de trânsito para perceber quais os fundamentos mais frequentes para a anulação das multas. Percebeu que as decisões se baseavam em razões muito repetidas. Graças aos conhecimentos de programação que adquiriu desde os 12 anos de idade, criou um sistema capaz de apoiar as reclamações ou recursos relativos ao trânsito e decidiu disponibilizá-lo online gratuitamente. Neste momento, este chatbot, com o nome Do Not Pay (www.donotpay.com), apoia condutores nos 50 estados norte-americanos (cada um dos estados tem as suas regras de trânsito próprias) e no Reino Unido. De acordo com o Financial Times, que incluiu Browder no top ten de “legal innovators” nos Estados Unidos para 2017 (apesar de ter 20 anos e não ser jurista), o Do Not Pay terá permitido uma poupança de 13 milhões de dólares em multas por centenas de milhares de infrações de trânsito. Joshua Browder alargou entretanto o seu serviço a passageiros de avião, visando proteger consumidores através da possibilidade de obter o reembolso de parte das tarifas pagas em caso de descida substancial de preços. Esta faculdade, prevista no direito norte-americano, depende de pressupostos complexos, cuja verificação se torna muito difícil quando realizada por humanos. Para este chatbot, é tarefa instantânea e gratuita.

A expressão “advogado robot” tem sido utilizada, também, para caracterizar o ROSS (rossintelligence.com), um sistema de inteligência artificial destinado a ampliar as possibilidades de assistência jurídica a preços razoáveis.

Devemos concluir que os robots vão, num futuro próximo, começar a substituir os advogados? Algumas cachas jornalísticas vão nesse sentido: “O seu próximo advogado pode ser um robot!”. Por outro lado, têm sido divulgados diversos estudos sobre o impacto da inteligência artificial nas diferentes profissões, incluindo as profissões jurídicas. Nesses relatórios, prevê-se o desaparecimento de uma percentagem variável de postos de trabalho jurídicos.

Mas, parafraseando Mark Twain, as notícias da morte da advocacia são manifestamente exageradas.

O Do Not Pay não poupa trabalho que de outro modo seria pedido a advogados. Na maior parte dos casos, os condutores não teriam tempo ou recursos para a recorrer a eles. Noutros casos, uma análise de custo / provável benefício aconselharia a não reagir. Bots como o Do Not Pay, independentemente de questões regulatórias profissionais que possam suscitar, facultam a condutores, consumidores, imigrantes ou refugiados, acesso a uma tutela a que não provavelmente não conseguiriam chegar de outra maneira. O ROSS não substitui advogados, coloca-se ao serviço deles.

É enorme o potencial dos sistemas de inteligência artificial para apoiarem a pesquisa jurídica, para auxiliarem a revisão e gestão de contratos, para contribuírem para a rapidez de uma due diligence ou para analisarem a probabilidade de sucesso do recurso aos tribunais em certas circunstâncias.

Mas é tempo de os profissionais – e os futuros profissionais – do direito encararem as inovações proporcionadas pela inteligência artificial e por outros instrumentos tecnológicos como meios ao serviço de uma prática jurídica mais eficiente, em linha com os interesses dos seus clientes, ao invés de as temerem e de as demonizarem.