Passaram mais de dois anos desde o meu último artigo no Jornal Económico. Compromissos académicos entretanto concluídos tomaram conta de boa parte da minha capacidade de processamento sináptico e foram prioritários. Estou de novo em contacto com os leitores, tanto os que concordam como os que discordam das minhas ideias e opinião.

Entretanto, o debate público enriqueceu-se com o aparecimento de muitos novos comentadores, analistas e opinadores, muitos deles com muita qualidade. O fácil acesso e a crescente divulgação de estatísticas internacionais comparativas têm ajudado os portugueses a melhor perceberem o seu lugar e o do seu país no mundo. E os dados que lemos não são lisonjeiros nem promissores.

O título daquele último artigo era “Chamem o Professor Porter, Já! E chamaram mesmo” e referia outro artigo publicado em abril de 2020 apelando ao governo para convidar o Professor Michael Porter para ajudar a desenhar a estratégia nacional de desenvolvimento, como tinha sido feito no tempo de Aníbal Cavaco Silva. O famoso Michael Porter, da Universidade de Harvard, é economista, pai da moderna teoria estratégica, gestão e competitividade (designadamente entre nações).

Pensei que um novo convite a Porter iria ser estruturalmente transformador. Infelizmente, verificou-se que isso não estava e não está no horizonte do Governo. Foi chamado o respeitável engenheiro de minas e especialista em engenharia de reservatórios petrolíferos Professor António Costa Silva, o atual ministro da Economia e do Mar, uma aposta nos recursos naturais de Portugal.

Tal como os britânicos que votaram Brexit iludidos pela promessa de retorno da grandeza de um irrepetível passado imperial – Global Britain era o slogan de Boris Johnson em 2016 – muitos políticos portugueses não perderam a estrutura mental colonial e continuam a pensar Portugal como um país que não é pequeno. O mapa de Salazar “Portugal não é um país pequeno” que sobrepunha Portugal e as suas colónias sobre a Europa ocidental ou sobre os Estados Unidos, publicado em português, francês e inglês pelo SNI por ocasião da exposição colonial de 1934, organizada por Henrique Galvão, continua a condicionar mentalidades e comportamentos.

Portugal é pequeno. Somos apenas dez milhões. Há muitas cidades em todo mundo com essa população e são municípios: têm à frente um presidente de câmara. Nós temos, entre outras, a despesa de órgãos de um Estado independente que uma câmara municipal dispensa: tribunais, defesa, negócios estrangeiros. Mas a pequena dimensão pode ser uma vantagem, como o demonstra o sucesso de países com população inferior à nossa, e alguns em área também, e que foram impérios como a Suécia, Dinamarca, Países Baixos e Bélgica, que há muito ultrapassaram o trauma da pequenez, ou pequenos países periféricos como os Bálticos que vivem sob a permanente ameaça imperial da Rússia.

São países que não beneficiam da nossa extraordinária história de descoberta e expansão, de natureza e clima excecionais, para não falar do nosso melhor capital – as nossas pessoas, quando bem geridas e motivadas. O gráfico Eurostat comparativo do PIB per capita é aterrador. É incompressível e inaceitável.

Para quem está de fora, a sensação é de um “deixa andar”. Não há um macro objetivo estratégico inovador. Os portugueses sentem viver num país débil e pobre preferindo uma diáfana segurança às incertezas da inovação política e económica. Portugal parece que foi tomado por uma droga que o tornou abúlico, paralisado, incapaz de sair do marasmo, de dar o salto, de cortar as amarras a uma maneira autofágica de fazer – ou não fazer – as coisas.

Apesar de tantos avisos e de tantas propostas vindas de inúmeras vozes de vários quadrantes, por exemplo do Forum para a Competitividade, da Sedes ou da CIP (que representa 71% do PIB), a superestrutura dominante não mudou nem revela querer mudar o seu “habitus”, para utilizar um conceito de Bourdieu, uma maneira entranhada e fechada em si mesma de ir vivendo, mas que tudo, de modo subreptício e subliminar, influencia e condiciona, e nos faz caminhar como fantasmas confusos numa Europa, agora em guerra, e num mundo em profunda transformação das relações geoestratégicas.

Velhos hábitos são duros de morrer, “Old Habits Die Hard”, a excelente música e letra de Dave Stewart e Mick Jaeger, que faz parte da banda sonora do filme “Alfie”, adequa-se como banda sonora do Portugal atual: “(…) I act like an addict, I just got to have it / (…) But I’m half delirious, is too mysterious / You walk through my walls like a ghost / (…) Old habits die hard / Hard enough to feel the pain.”

Passados estes anos, e agora com uma maioria absoluta parlamentar, ainda não é nítido que haja a aceitação das vantagens de uma estratégia que resulte da cooperação com o que os suecos chamam “näringsliv”, uma expressão que traduzida à letra significa “vida próxima” mas que refere todas as atividades privadas na economia e que dá o nome à associação empresarial sueca, Svenska Näringsliv. Esta associação considera que a condição chave para a liberdade e criatividade das pessoas, para o bem-estar, prosperidade e desenvolvimento é a economia de mercado. A economia de mercado é o sistema no qual o progresso duradouro só pode ser alcançado criando valor para os outros. Transforma características humanas básicas, como curiosidade, responsabilidade, engenho e economia com recursos limitados, em forças motrizes para o benefício de todos.

Como de há muito venho escrevendo, por exemplo aqui, não há uma grande ideia discutida, consensualizada, agregadora de esforços e produtora de eficiência económica sobre o que Portugal quer ser, qual a posição que Portugal pode ocupar na competitividade entre as nações, qual ou quais os gaps a explorar, qual o rumo mobilizador dos portugueses, qualquer que seja a sua atividade.

O problema de Portugal não é de capacidade, é de vontade “se queremos ou não crescer” como afirmou António Horta Osório na tertúlia “Portugal e Europa em 2023”, no 158.º aniversário do Diário de Notícias. Horta Osório não tem dúvidas, e eu acredito no que diz, que seria possível alavancar a dinâmica económica e dobrar o rendimento do país em dez anos. Para isso diz que é fundamental deixar de lado as questões partidárias e definir, com consensos prolongados no tempo, o rumo a seguir.

Horta Osório considera que o ingrediente fundamental deve ser a aposta forte na inovação com mais apoios públicos, mas num país com menos Estado e mais dinheiro disponível para o setor privado, que considera ser o motor do crescimento. Acrescenta que mais dinheiro no bolso das pessoas é o que, a prazo, produz mais riqueza. A receita para o fim de duas décadas de crescimento anémico deve ser complementada com a continuação da aposta nas exportações, área em que podemos sempre fazer mais, mas também com o estímulo da concorrência.

Para lá chegar será fundamental rever as políticas de imigração para resolver o problema demográfico português, embora António Horta Osório acredite que não basta abrir as fronteiras, mas antes desenhar estratégias para a atração de trabalhadores estrangeiros com base nas competências de que o país precisa.

Resumindo, com mais estratégia, objetivos bem definidos, menos impostos e o reforço da produtividade, Horta Osório afirma que o futuro de Portugal pode ser risonho porque os portugueses têm imensa capacidade. Estou de acordo. É preciso querer.

P.S. Este artigo foi escrito antes da atual crise política.