O novo programa de habitação definido em Conselho de Ministros no passado dia 16 de fevereiro, e que está em discussão pública, arrisca adensar a desconfiança que sempre existiu entre os proprietários privados e as entidades públicas. Mais. Pode arriscar criar uma situação sem retorno na relação público-privado ao nível da habitação, bem como transformar a indústria num setor onde os privados não irão voltar.

Estas conclusões não estão a ser dramatizadas, mas resultam de muitas conversas e declarações de pequenos proprietários, de herdeiros ou de emigrantes que se esforçam para perceber até que ponto é que toda esta deriva do Governo os irá afetar.

A justificação de algumas medidas como anticonstitucionais foi apenas o princípio de quem ainda acredita que o direito irá prevalecer, mas o sentimento geral é que, perante a importância das políticas em terem soluções de longo prazo, imperam as medidas imediatas, mesmo que fiquem pela espuma do momento.

A recente entrevista da ministra da tutela ao “Público” e à “Rádio Renascença” tem o condão de esclarecer dúvidas e permite colocar outras questões.

Sem sermos exaustivos, podemos perguntar por que se fala na isenção de IMI nos contratos antigos, quando tal norma está em vigor desde 2012… Ou por que se fala em isenção de IRS quando existem 147 mil contratos de arrendamento abaixo dos 100 euros, e quando o necessário em isenções de IRS seria para contratos de habitação com preços atuais da ordem dos mil euros…

E, já agora, por que é que o subsídio de renda não deve ser pedido pelo inquilino de forma a que se perceba a sua situação financeira? E quando se fala em casas devolutas, será que já existe um número final de quais estão em condições de ser habitadas nas principais cidades?

Ninguém irá perceber por que se fala em 725 mil habitações devolutas quando a esmagadora maioria está no interior do país, onde poucos querem residir em permanência. Por isso, é legítima a questão de saber onde são precisas casas. Quem é que precisa dessas casas e do que vivem, quais os seus rendimentos?

Ou ainda saber como cruzar a informação, como é o exemplo de Lisboa, onde estão 20 mil agregados inscritos, mas que também se inscreveram em outros concelhos a solicitar o mesmo tipo de habitação. Também se questiona o que fez o Observatório da Habitação até ao final de dezembro…

E quando se fala em penalizações pelo proprietário manter a casa devoluta, ou seja sem ocupação há um ano, ninguém questiona os agravamentos do IMI em 500% e a impossibilidade de muitos proprietários o poderem pagar.

Aliás, há 400 proprietários com agravamento de IMI em Lisboa e alguns foram penhorados, com a agravante de o IMI dos sujeitos passivos estar integrado em outros prédios que, eventualmente, detenham. Ora, quando forem colocados na praça, o bem irá integrado na mesma massa de todos os edifícios que sejam do mesmo proprietário e não apenas o edifício sobre o qual não foi feito o pagamento.

Claro que são casos isolados, mas dizem bem das injustiças. E claro que é necessária habitação condigna para todos e isso está bem explícito na Constituição da República. Mas se alguém falhou foi o poder político, que deixou a situação resvalar para o caos.

Claro que houve pressão sobre idosos para saírem de casas em cascos históricos das cidades, mas cabe ao Estado defendê-los e não o fez. O Estado existe para dirimir conflitos e aplainar injustiças, não para criar outras. E nesta pequena análise nem sequer falámos do Alojamento Local, que permitiu responder à indústria do turismo, reabilitar cidades e gerar empregos permanentes.