Putin podia tê-lo dito: um resultado da guerra na Ucrânia é o acelerar da desglobalização da economia mundial. Quer seja por razões económicas (v.g., o aumento do custo do transporte), quer por razões geoestratégicas (a possibilidade de embargos ou restrições por razões políticas), o redesenho das cadeias produtivas vai ser mais célere, e a duração do conflito na Ucrânia só o pode tornar mais dinâmico.
Mas esta é apenas uma das faces do processo; a regionalização das trocas comerciais vai acentuar-se, embora só Nouriel Roubini veja nisso o apocalipse da economia internacional.
Em termos de fluxos, os menos realistas esperavam ver nas sanções à Rússia uma redução das suas exportações de bens primários. Nunca tal esteve em causa – num mundo de recursos escassos, perder uma parte significativa destes é um desastre para as duas partes do conflito.
A Rússia encontrará sempre comprador para os seus recursos, só que não o melhor comprador, o que paga mais. Tudo gira à volta da Rússia não ganhar no preço o que perde nas quantidades por (e se) perder parte das suas exportações. Ou seja, é obrigar a Rússia a vender mais barato, para ter menos receitas para sustentar o esforço de guerra.
Porém, o que o presente conflito mostrou foi os riscos da interdependência – ir para a cama com o inimigo pode de facto ter más consequências quando o inimigo é atrevido e dado ao sadomasoquismo.
A dependência europeia da energia russa provou ser um erro estratégico, e obrigou à transformação do dólar e do sistema financeiro internacional em arma. Isto criou novos receios nos regimes autocráticos, que se viraram para a Rússia, que já ajudava parte deles na sua sobrevivência política, sobretudo em África. Isto contrariou a estratégia chinesa, que vinha estendendo a sua influência e controlo de recursos por meios mais discretos e toleráveis.
Até no domínio da cibersegurança a Rússia esticou a corda, mas outros fizeram melhor: dos 3,8 mil milhões de dólares de roubos de criptomoedas em 2022, 1,7 foram-no por hackers norte-coreanos. Entre nós, passou-se da relocalization de Arnaud Montebourg ao nearshoring e, finalmente, ao friendshoring, termo cunhado na Casa Branca, sempre na mira do controlo da cadeia de produção.
Agora, o futuro dos arranjos comerciais internacionais está em aberto, mas pelo menos a curto prazo os efeitos não serão relevantes. Uma coisa é segura: a atual guerra só está a confirmar que a Rússia já não é a segunda superpotência.
A perda de dinamismo da economia chinesa (que não tem a ver diretamente com a guerra na Europa) não ajuda a mudança, mas àqueles que acham que o dólar vai perder o seu estatuto de moeda de reserva internacional a curto prazo, fica a pergunta: como pode isso acontecer a uma moeda em que são denominados 40% do comércio internacional e mais de 40% do volume de operações no sistema Swift, se o rival apontado é uma moeda que conta com cerca de 2%?