“O mundo está perante uma Zeitenwende: uma mudança tectónica epocal. A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia pôs fim a uma era. Novos poderes emergiram ou reemergiram, incluindo uma China económica e politicamente assertiva. Neste novo mundo multipolar, diferentes países e modelos de governo competem por poder e influência”, escreveu o Chanceler alemão Olaf Scholtz na revista “Foreign Affairs”, em dezembro.
Há dois dias, o “New York Times” titulava “A Guerra na Ucrânia Mudou a Europa para Sempre” num artigo de Roger Cohen que, depois de recordar as palavras do Presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, ditas há um ano no dia em que que a Rússia invadiu a Ucrânia (“agora as máscaras caíram, só a fria face da guerra é visível”), Cohen afirma que “a guerra na Ucrânia transformou a Europa mais profundamente que qualquer outro evento desde o fim da Guerra Fria, em 1989.
Uma mentalidade de paz, mais aguda na Alemanha, deu lugar ao despertar da ideia de que o poder militar é necessário na procura de objetivos de segurança e estratégicos. “Um continente em piloto automático foi galvanizado num imenso esforço para salvar a liberdade na Ucrânia, uma liberdade vista pela maioria como sinónimo da sua própria liberdade.”
Sabemos que a esmagadora maioria da opinião pública portuguesa está com a Ucrânia e com a liberdade. Sabemos que os partidos democráticos estão do lado da Ucrânia. Sabemos de que lado está o governo português, entre os primeiros a enviar tanques Leopard 2 para a Ucrânia.
Mas não sabemos nada do que pensa o governo, o PS, o PSD, a IL sobre o que significa para Portugal o fim da era de que fala Scholtz. Não há discussão pública, não há nada sobre o Zeitenwende, o fim de uma época e o início de outra, qual a posição em que Portugal poderá ficar se nada fizer e qual será essa posição se fizer alguma coisa, que terá de ser necessariamente consensualizada pela sociedade e pela política.
O que poderá advir e o que fazer ninguém sabe, porque ninguém, que seja conhecido, se dedicou a estudar para onde iremos ou poderemos ficar em vários cenários. Se alguém o fez, que levante a mão.
O debate público está dominado por questões que, sendo importantes para o funcionamento do Estado de direito, e outras que têm como consequência a sua destruição (arrendamento compulsivo, por exemplo), ofuscam ou obliteram a indispensável visão estratégica que Portugal precisa de ter como nação.
Quando acabar a guerra, com a derrota do imperialismo russo, e a vitória da Ucrânia e do Ocidente, com a rápida adesão da Ucrânia à União Europeia (não demorará décadas como inutilmente apregoa o primeiro-ministro António Costa) e o enorme apoio ao esforço de reconstrução que lhe será dirigido, onde ficará Portugal?
A sensação é que continuamos a andar em piloto automático pendurados na Comissão Europeia. Não há um rasgo de criatividade, de coragem para romper com o status quo, para enfrentar a reconstrução política, administrativa, económica, educacional, cultural, de mentalidades, de que Portugal precisa. E o principal problema de Portugal não é a TAP nem uma indemnização: é a educação. Que educação precisamos na Zeitenwende?
Ainda ontem, no “Financial Times”, Rana Forohaar abordava o tema fundamental estratégico dos EUA na atualidade e para os próximos anos: a educação. Lembrava que a América está cheia de licenciados com dívidas de educação superiores a 37 mil dólares e que só encontram emprego a ganhar o salário mínimo.
E acrescenta que as pessoas que a América precisa para aplicar na próxima década os 39 milhares de milhões de dólares do Chips and Science Act que o governo do presidente Biden fez aprovar no Congresso, é de maquinistas, carpinteiros, técnicos, empreiteiros e licenciados em áreas dos semicondutores, tais como engenharia, ou seja as pessoas que vão construir as fábricas e os chips.
Forohaar atribui a atual penúria daquelas profissões a fenómeno idêntico ao que ocorreu em Portugal: a desvalorização das escolas vocacionais, e das profissões que dela emanavam, que resultou do outsourcing da globalização, provocando o que chama de quebra dos laços naturais entre trabalho cerebral (brain work) e trabalho manual. O problema, afirma, reflete o modo como a América pensa sobre a economia e sobre o que constitui boa educação.
A oportunidade para definir o nosso futuro é agora. É preciso acabar com a apatia, com a indolência.
Mas para isso é preciso pôr fim imediato aos desmandos e incompetência com o dinheiro dos contribuintes, é preciso racionalizar e dar competências ao aparelho administrativo do Estado, colocar políticos com competência nos ministérios, pessoas que compreendam o que é iniciativa individual, empreendedorismo, economia de mercado e respeitem a propriedade privada, de leis do país que sirvam para o progresso e não para o retrocesso, que a justiça e a investigação criminal sigam em sossego e rapidamente, que o Governo acabe de imediato e de uma só vez com o tormento de professores, crianças e pais e que ponha o país a estudar, a criar, a empreender, a ter confiança em si mesmo, a investir como prioridade absoluta nos seus recursos humanos, nos portugueses que ainda não emigraram.
Os partidos democráticos da oposição devem apresentar os seus respetivos projetos para reconstruir um Portugal verdadeiramente liberal e democrático. É urgente pôr fim à imagem externa de país com uma democracia defeituosa (fawlty democracy) (sim, Portugal por vezes faz lembrar “Fawlty Towers”) na classificação do Economist Inteligence Unit revelada há poucas semanas, e de país com notória corrupção.
Devem propor um futuro de segurança e bem-estar para próxima década baseado em educação para um Portugal reconstruído. Não vejo onde estão esses projetos. Não vejo onde está quem se apresente com credibilidade, quem com uma palavra de liderança condense todo um projeto de reconstrução.
O líder do PSD deveria cortar com o modus faciendi político dos últimos 30 anos se quer ser levado a sério e não contar apenas com os erros do adversário para ganhar votos. Deve ser arrojado e límpido nas decisões. Acabar com toda a ambiguidade dita “institucional”. Tem de se posicionar de modo que seja percebido como diferente. E, se me permitem, deve mudar o estilo comunicacional do coloquial e informal para um estilo informado pela retórica (retórica é a arte da persuasão).
A IL deveria subordinar todas as suas comunicações a uma única ideia mestra [a definir] repetida e incessantemente adaptada, de modo consistente e coordenado, aos diversos tópicos e sempre concluindo com essa ideia mestra: nós temos soluções, são melhores porque [explicar caso a caso] e por isso nós defendemos [ideia] ou vice-versa. Tudo num sound bite. Não basta dizer que liberal é que é bom. É preciso explicar porquê com calma.
Para comunicarem os seus projetos, quando aparecerem, todos deviam aprender com a substância e o estilo de mulheres corajosas como Kaja Kallas, primeira-ministra da Estónia, Sanna Marin, primeira-ministra da Finlândia, Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia.
Mas acima de todas e de todos, com Volodymyr Zelensky, esse enorme, corajoso líder, que utilizando as técnicas de retórica embebida de uma fusão de gravitas, emoção e proximidade conquistou o apoio do mundo contra a barbárie do imperialismo de Putin.