A discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano – apesar de tudo, a principal ferramenta para a concretização das políticas públicas – ficou confinada ao ponto percentual de descida do IRC que separou a proposta do Governo suportado por PSD e CDS-PP daquilo que é a ideia socialista.
Tragicamente, foi a isto que se reduziu todo o esgotante corridinho político a que temos assistido nas últimas semanas, dançado especialmente pelos três maiores partidos com assento parlamentar, ao longo de linhas vermelhas, incompreensíveis, particularmente no chamado arco do poder.
Vamos dar de barato as convicções profundas do PS representadas naquele ponto percentual ou o ziguezagueante posicionamento do Chega, só explicados pela fragmentação parlamentar e o receio eleitoral. Chegados aqui, ficámos sem perceber que visão têm as diferentes forças para o caminho que devemos seguir, em conjunto, que objetivos propõem que sejam atingidos e que passos devemos dar para os alcançar.
A situação é tanto mais grave quando percebemos que toda esta negociação foi, apenas, um primeiro embate, que se repetirá, com maior complexidade e mais atores, na discussão na especialidade da proposta de orçamento, sem que tenhamos qualquer visibilidade para o que vem a seguir.
Corremos o risco de não ter orçamento – não que daí venha mal ao mundo –, de ter um todo incoerente ou uma manta de retalhos que procura responder às sensibilidades partidárias em vez de às necessidades concretas de empresas e famílias. Temos, isso parece certo, uma visão para o futuro reduzida a 1%, ou seja, uma cegueira quase absoluta, o que invalida qualquer possibilidade de planeamento e de decisão.