1. – Na quarta-feira, às 10h00, tinham morrido nos Estados Unidos (EUA) 336.443 pessoas por Covid-19. Na União Europeia (contabilizando ainda o Reino Unido) tinham morrido até à mesma hora 433.964. A população norte-americana, de 330 milhões, compara com os 494 milhões deste nosso espaço comum. Ou seja, não há diferenças significativas em número de mortes por milhão de habitantes. E, no entanto, muita gente parece acreditar que os EUA vivem um pesadelo bastante mais grave do que a Europa (ocidental). No campo da ortodoxia política, a existência de Donald Trump parece ter ‘explicado’ tudo, até o atropelo à matemática e aos números.

2. – Nos hospitais de todo o mundo vivem-se dias de pesadelo. Há imensos depoimentos de médicos e outros trabalhadores da saúde, assim como de pessoas que se salvaram de situações graves, a relatarem terríveis experiências vividas entre o caos organizado. E, no entanto, o negacionismo quanto à existência da pandemia tem crescido, agora associado a teorias da conspiração sobre o objetivo das vacinas. Nesse sentido, realizaram-se já manifestações em vários países. E os estudos provam que são os jovens quem mais acredita nessas teorias fantásticas, a reboque das redes sociais, sobretudo do Messenger e WhatsApp.

3. – Podia falar do 5G que a conclusão seria idêntica: no mundo da comunicação global e do conhecimento cada vez mais generalizado, a ignorância continua a dizer presente, a fazer o seu caminho e a marcar a existência da Humanidade. Esse é um dos principais legados deste ano terrível: a consciência de que, apesar da evolução tecnológica e do saber, do conhecimento e do trabalho científico, persistem bolsas de ignorância extrema que são, aliás e paradoxalmente, alimentadas pela revolução tecnológica e digital mais a cegueira provocada por crenças políticas. Diz-nos 2020 que provavelmente será utopia pensar que as massas algum dia serão domesticadas pela ciência e pela boa informação. Mas concedo que também não devemos ter a certeza de que essa ‘resistência’ pela ignorância não tenha, dentro de certos limites percentuais, algum valor positivo para as sociedades.

4. – O mundo nunca foi tão justo quanto hoje. Há menos guerra e menos fome. Todas as estatísticas o provam. E nunca foi tão politicamente reativo à realidade. Os programas de recuperação económica à pandemia, na Europa, EUA e um pouco por todo o mundo, foram rápidos. Basta pensar como estaria hoje Portugal se a chamada ‘bazuca europeia’ não nos tivesse armado do dinheiro necessário para fazer face ao Plano de Recuperação e Resiliência.
5. – Convém lembrar isto aos céticos da União Europeia: entre a nossa parte da dita ‘bazuca’ (14 mil milhões de subvenções até 2026, a que se somam empréstimos de 15,7 mil milhões), mais o quadro financeiro plurianual e o dinheiro ainda disponível do PT2020, teremos 58 mil milhões de euros para gastar de subvenções a fundo perdido nesta década! É um período único de responsabilidade histórica ao nível político. Estamos numa situação de injeção de dinheiro na economia e na reestruturação do Estado e do tecido produtivo superior à última ajuda da troika (empréstimo de 78 mil milhões em três anos, vencidos a 4 de maio de 2014).

6. – Se 2020 trouxe a doença e a crise social, 2021 apela, a reboque da vacina e expurgando todas as crendices, à responsabilidade social e política. Neste campo, Portugal precisa de ressuscitar a oposição para monitorizar o funcionamento do Estado e do PS. O caminho do dinheiro tem de ser seguido com instrumentos capazes e políticos empenhados. Veremos se somos capazes de responder ao desafio. E aqui, sim, convém partir do pessimismo e do ceticismo. Temos dezenas de anos de motivos para isso.