Mais do que um ano atípico, 2020 é um ano que vai marcar um período na história. Além de um problema sanitário, trouxe-nos uma crise social e económica sem precedentes e cujas consequências ainda não conhecemos na sua total dimensão.

A recente publicação pelo INE dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social, com base nos rendimentos das famílias em 2018, trazia uma actualidade sobre a evolução das condições de vida da população no país e a identificação dos principais factores de vulnerabilidade social, situação agravada agora pela crise provocada pela Covid-19.

Curiosamente, o ano de que nos despedimos, sem grande saudosismo, começou com um pouco comum excedente orçamental! Um excedente alcançado, porém, à custa das contribuições sociais, mas também da falta de investimento público em serviços essenciais, como o SNS, justiça, habitação ou educação e a valorização dos diferentes profissionais.

A par disso, Portugal continuou a apostar todas as suas fichas num modelo de crescimento insustentável, dependente do turismo, ainda que com isso tenha posto também em causa a qualidade de vida da população, por exemplo, no acesso a serviços essenciais como a habitação e com a consequente pegada ambiental, que só nos aproxima mais do ponto de não retorno. Em 2020, adiou-se mais uma vez os estudos de capacidade carga turística que desde 2018 o PAN tem vindo a pedir.

Aqui chegados, não devemos, por isso, desejar voltar a um “suposto normal”. Um ‘normal’ em que o número de voos aéreos são insustentáveis e ainda beneficiam de borlas fiscais; em que temos Zonas de Emissões Reduzidas nas cidades para a circulação automóvel, mas recebemos de braços abertos navios de cruzeiro com emissões quase 100 vezes superiores às do automóvel; ou em que não apostamos no turismo de natureza e na coesão territorial (e, já agora, que não seja à conta de barbaridades como a que se deu na Herdade da Torre Bela, que nos colocam no roteiro do turismo cruel, feito à conta do maltrato animal).

De 2021 em diante, o crescimento económico deve assentar em modelos de desenvolvimento mais resilientes e justos do ponto de vista social e laboral, em que se salvaguarde desde logo que os grupos sociais mais vulneráveis não são deixados para trás. Para isso as políticas públicas têm um papel essencial. Mas deve também ser sustentável, capaz de representar um novo marco ambiental, pois a maior crise das nossas vidas continua presente: a crise climática. Se não mudarmos de hábitos de consumo e de crescimento desenfreados, de extracção de recursos e de predação do mundo natural como se fossem infinitos, batalha após batalha vamos perder a guerra contra as alterações climáticas e zoonoses como a Covid-19 poderão ser só a ponta do icebergue.

Precisamos fazer de 2021 um ponto de viragem, que marque o (re)começo de uma cultura de preservação e recuperação dos ecossistemas, empenhando-nos seriamente em manter o Planeta como um mundo vivo e onde se possa salutarmente viver!