O Banco Central Europeu (BCE) surpreendeu na última reunião do ano, ao anunciar que as taxas de juro iriam subir mais do que o esperado pelo mercado. Se até então era expectável que a taxa de depósitos do BCE subisse até aos 2,75%, neste momento os 3,25% não são de excluir, já durante o primeiro semestre de 2023. Foi também decidida a redução do balanço do BCE, que numa primeira fase vai deixar de reinvestir parte substancial dos reembolsos das obrigações que investiu nos Estados e empresas.
A partir de Março de 2023, e até Junho, serão menos 15 mil milhões de euros por mês em reinvestimento, num total de 60 mil milhões acumulados até junho. Estima-se que o impacto para Portugal sejam menos 235 milhões de euros por mês i.e., 940 milhões de euros nesse período, o que representa 0,33% do total da dívida pública bruta.
Este montante não deverá trazer qualquer problema ao governo português para refinanciar. A subida dos ratings da divida pública, o controlo do défice e os juros mais atractivos, são atractivos suficientes para a captação de novos investidores.
O problema colocar-se-á a partir de Junho, quando o BCE optar por reduzir a liquidez no Eurosistema através do seu balanço e não por via do aumento dos juros. Se o BCE decidir aumentar a redução do balanço para 50 mil milhões por mês, tal significa que o seu balanço, na componente que respeita aos títulos, irá reduzir-se ao ritmo de 1% ao mês, valor esse que, dependendo se a zona euro estará ou não em recessão, pode impactar no custo de financiamento de países periféricos.
A periferia do euro sofrerá o maior impacto, uma vez que nestes países entre 70% a 90% do crédito à habitação está indexado a uma taxa variável, ao contrário dos países do centro da Europa.
Mas importa recordar que o BCE, à semelhança dos outros bancos centrais, não acertou nas previsões nos últimos anos, nem nas suas comunicações ao mercado. Aliás, já com a inflação a subir em 2021, e a superar os 4% nos EUA, o BCE indicou ao mercado que a política de juros negativos era para ser mantida no curto prazo e que qualquer subida dos juros seria muito gradual, negando a evidência do efeito dos seus próprios estímulos no que foi o aumento da procura.
O ano de 2023 irá, desta forma, ser desafiante para o conselho de governadores, uma vez que muito dificilmente a zona euro escapará a uma recessão, ao mesmo tempo que tenta combater a inflação. Mas mais uma vez vamos olhar para os EUA, como indicador avançado da economia mundial.
Nos últimos meses, as licenças para a construção de novas casas diminuíram para valores de 2019, registando quedas anuais de 22%. O preço da madeira baixou 72% desde os máximos atingidos este ano, regressando aos valores praticados em 2019 e o número de casas vendidas baixou 5,2% em novembro face ao mês anterior.
O que a economia está a dizer aos bancos centrais é que podem estar a cometer outro erro. Subir as taxas de juro para valores próximos de 2008 quando o preço das casas é bastante superior, poderá degenerar numa recessão feia e na perda de confiança das famílias e empresas, quando o ambiente geopolítico mudou para sempre.
Resta saber como reagirão os bancos centrais se, em 2023, em vez de inflação tivermos deflação, ou seja, uma queda generalizada dos preços, derivado de mais um erro de política monetária. A volatilidade verificada nos mercados financeiros chega agora à economia real. Bem-vindos a 2023!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.