2024… foi o ano em que o planeta mostrou sinais de esperança, mas também tropeçou em escolhas que nos fazem pensar se alguém andou a beber água com pesticidas. Vamos aos destaques, porque rir é melhor do que chorar.

Primeiro, as boas notícias: o lince-ibérico, aquele felino charmoso com pinta de estrela de documentário, saiu oficialmente do grupo dos “em perigo” para o estatuto de “vulnerável”.

Agora há mais de 2.000 linces-ibéricos na natureza, o que já dá para montar uma claque respeitável de felinos.

No Algarve, o polvo – verdadeiro mestre do disfarce – também teve direito a algum protagonismo. Foi criado o 2.º Comité de Cogestão de uma pescaria, com foco neste molusco, e o respetivo Plano de Gestão foi aprovado por unanimidade. O Governo agora tem a missão de transformar esta boa ideia em ação concreta (incluindo financiamento) e não em mais um daqueles documentos esquecidos na gaveta.

Enquanto isso, a sociedade civil esteve em força a devolver os rios à sua glória natural, removendo açudes obsoletos e recuperando ecossistemas ribeirinhos. Mas o Governo, numa postura digna de quem quer andar contra a corrente, decidiu não apoiar esta tendência no Orçamento do Estado para 2025 e contrariar o seu próprio programa eleitoral. Ah, e não só continuam a ignorar as barreiras fluviais, como avançam a todo o vapor com a construção da Barragem do Pisão, que promete destruir habitats e alimentar a ilusão de que há água para regar o Alentejo inteiro. Prioridades, não é?

O lobo ibérico, por sua vez, foi protagonista de um verdadeiro plot twist ambiental. Portugal mudou o seu voto para alterar a Convenção de Berna e ajudou a reduzir o nível de proteção da espécie, um retrocesso monumental na conservação europeia. E, como se não bastasse, dois anos depois do último censo do lobo, continuamos sem saber os resultados. Talvez estejam guardados para uma revelação especial… no Dia Mundial do Ambiente de 2050?

Nos Açores, assistimos a um misto de orgulho e perplexidade. Foi criada a maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico Norte, abrangendo 287 mil quilómetros quadrados.

Impressionante! Só que, no mesmo ano, o Governo Regional não descartou a possibilidade de mineração em mar profundo. É como se dissessem: “Vamos proteger, mas fica aqui a porta aberta para também se estragar um bom bocado, e assim ficam todos felizes”.

No cenário europeu, houve a aprovação da Lei do Restauro Ecológico, que visa recuperar 20% dos habitats degradados até 2030. Mas, em Portugal,  parece que o compromisso com esta meta não é lá muito significativo, já que as associações agrícolas e florestais estão mais representadas no grupo de trabalho responsável pelo Plano Nacional de Restauro do que as ONGs de ambiente, que têm extensa experiência de terreno. É como se os ecossistemas estivessem a gritar por ajuda e respondessemos com um descontraído: “Já lá vamos, calma”.

Para terminar em grande, o PEPAC continua a dar-nos alegrias (#sóquenão): houve um corte de 44% no orçamento para as florestas, e continua a recusa em alterar medidas que destroem a biodiversidade ao invés de a protegerem, cortesia do Ministro da Agricultura e Pescas. Tão, mas tão século XX…

Moral da história: Se Portugal quer mesmo ser líder em sustentabilidade, tem de parar com esta dança de “um passo à frente, dois atrás”;. Proteger a natureza não é só bom para as espécies, é também crucial para as pessoas, para a economia e para o futuro. Afinal, o bem-estar do planeta é o nosso. E, sinceramente, quem aguenta mais um episódio desta novela
ambiental cheia de avanços e retrocessos?