A 24 de Julho do ano da graça de 1833, as tropas comandadas pelo Duque da Terceira desembarcaram e marcharam sobre a Lisboa abandonada pelas tropas de D. Miguel. Após anos com a Coroa instalada no Brasil posteriormente perdido, de ocupação francesa e (na prática) inglesa, e de intermitente e (mais tarde) contínua guerra civil, os “liberais” ficaram então a um passo de libertar o país das garras do “absolutismo” e do “terror”.

Um ano depois, confirmado o triunfo e assinada a paz, talvez julgassem que um futuro radioso os aguardava. Se assim foi, não podiam estar mais equivocados. O assalto aos “empregos” e aos “bens nacionais” começou cedo, mas os seus proveitos eram escassos para satisfazer os desejos de todos aqueles que se julgavam merecedores de uma recompensa pela luta pela “liberdade”, e logo os “radicais” reclamaram a exclusão de quem parecia ser excessivamente conciliador, de quem não fosse suficientemente contra o passado que se estava agora a procurar destruir.

Em vez da paz, vieram mais de dez anos de confusão, violência e sangue, a que só a intervenção estrangeira conseguiu pôr fim, apoiando decisivamente um dos lados e dando à “Regeneração” o dinheiro que os seus chefes precisavam para comprar a passividade dos militares e alimentar as carteiras dos dependentes.

De então (1851) para diante, as caras e os nomes dos dois “partidos” que (com raras excepções) “rodavam” no poder ou, ocasionalmente, iam fazendo “fusões” e “pastéis” de reputação duvidosa, iam mudando, mas a realidade do país era mais ou menos a mesma: enquanto a conjuntura era favorável e havia “lá fora” dinheiro para dar “cá dentro”, tudo parecia correr bem; quando rebentavam crises como a aberta em 1867 pela guerra do Paraguai, ou a que em 1890 foi provocada pela revolução republicana no Brasil e uma bancarrota na Argentina (não é só cá que os problemas financeiros da actualidade fazem lembrar os de outrora) o crédito português caía, o país entrava em bancarrota, e com ela chegavam os apertos na bolsa dos portugueses e na garganta dos políticos.

Ao longo dos anos, bem se tentou atrair as franjas mais radicais do espectro político para a esfera (e as responsabilidades) do poder, procurando domá-las. Mas com a bancarrota de 1892, deixou de haver dinheiro suficiente para comprar tanta gente, e um conjunto crescente de novos “bacharéis” viu-se excluído do tipo de vida que só o Estado e os seus empregos podiam oferecer, e entendeu que só pela força se podia alçar ao seu conforto.

O crescente descrédito dos partidos do regime, o falhanço da tentativa (com o governo de João Franco) de renovação do quadro partidário pelo rei (que, por sua vez, acabou como acabou), a fragmentação dos partidos em grupelhos cada vez mais desavindos (e fracos), e os constantes “escândalos” financeiros que confirmavam a presunção de corrupção da elite governativa, só lhes facilitaram a vida: em 1910, quando finalmente saíram à rua para deitar abaixo a Monarquia, quase ninguém se deu ao trabalho de a defender contra os “republicanos” que governariam Portugal a “rachar” cabeças pelos 17 anos seguintes, até outros senhores não menos brutais os substituírem, por muito mais (e não menos infeliz) tempo.

Quem tenha lido os parágrafos anteriores e visto neles um paralelo com os nossos tempos, e um aviso para os que hão-de vir, não estará enganado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.