Quando desço a Avenida da Liberdade, no dia 25 de Abril, homenageando o dia da liberdade em Portugal, faço-o plenamente consciente, histórica e civicamente, que estamos na presença de um acontecimento com uma fortíssima marca histórica africana.

O 25 de Abril de 1974 surge na sequência do impasse gerado pelas guerras de libertação nacional em África. Como se ensina, por exemplo, na historiografia portuguesa, a questão das guerras em África tornou-se, de facto, o nó górdio do regime do Estado Novo. O regime não encontrava uma solução política airosa para resolver a questão da guerra e preservar a sua imagem política do regime.

A incapacidade política do regime para encontrar uma saída política para a guerra no teatro africano estava associada à forma de luta de libertação nacional concebida pelos movimentos africanos. Isto é, uma luta de resistência e de sacrifício que não seria vencida no plano militar pelos africanos, dado que os movimentos africanos não eram, de facto, exércitos regulares e convencionais, mas, sim, forças preparadas para gerar a saturação mental e fadiga psicológica aos militares portugueses que deixavam as suas famílias para defenderem um projecto político-nacional, sem saberem o dia de regresso a casa.

Com o passar do tempo e sem um caminho ou saída política à vista no curto prazo, deixou-se de se fazer as guerras para se passar a administrar as guerras. Sendo esta uma modalidade de fazer guerra descrita por Walter Benjamin na sua obra “O Anjo da História”. A adopção desta abordagem de guerra acabou por provocar uma alteração das circunstâncias humanas e militares para os portugueses, porque a administração de guerras significou a permanência dos militares nos vários teatros de guerra.

De facto, os militares portugueses estavam e foram preparados para fazer uma guerra e não para administrar uma guerra, porquanto a administração é uma faculdade política e de responsabilidade política.

Assim, quando Salazar proferiu a frase “para Angola, rapidamente e em força” não contava com o espírito guerreiro dos africanos e a resiliência humana dos homens e mulheres africanos. A postura dos movimentos africanos conduziu à queda do Estado Novo, porque os militares compreenderam que a saída da guerra não era militar, mas política. Esta saída política estava fortemente condicionada pela visão nacionalista e colonialista do Estado Novo, que se sustentava numa visão de defesa intransigente do império colonial, sem perspectivar os custos económicos, sociais e, sobretudo, humanos.

Assim, o golpe militar de 25 de Abril acabou por ser a saída airosa para libertar um país preso numa guerra de libertação nacional que era, particularmente, uma luta pela liberdade para os povos africanos. Caso não tivéssemos vivido esse golpe, as lutas de libertação seriam o cemitério da juventude e da esperança de várias gerações portuguesas. Portanto, acaba por ser inegável que os movimentos africanos ajudaram no processo de libertação de Portugal e não apenas dos territórios africanos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.