Num só dia de vendas, o Dia dos Solteiros, a empresa de vendas online chinesa Alibaba vendeu trinta mil e oitocentos milhões de dólares.

Para podermos perspetivar este valor, vou estabelecer algumas comparações: equivale a quase dois anos de vendas do Grupo Jerónimo Martins (21 meses), da GALP (20 meses), ou da EdP (20 meses) em 2017. Este valor daria para comprar cerca de um milhão e setecentos mil Peugeots ao preço médio de 2017. Ou ainda 165.000 apartamentos de 75m2 em Lisboa ao preço médio do mesmo ano. E mesmo a poderosa Apple, a empresa mais valiosa do mundo, necessitaria de 45 dias para lá chegar.

Nos últimos 30 anos, a China construiu uma rede de comboios de alta-velocidade com mais de cinco mil composições e 27.000 kms de via, dois terços de toda a rede mundial. Os Estados Unidos têm zero de ambos. A China investiu 126.000 milhões de dólares em energia renovável em 2017. Os Estados Unidos investiram 40.000 milhões. A China exporta 63% de todo o aço de construção do mundo, 48% dos ecrãs LCD, 30% dos telemóveis e 45% de todos os computadores. Em todas as áreas, a sua participação é crescente. A China lidera o mundo em licenciados, em utilizadores de internet e em donos de casa própria. Menos de 1% da população vive hoje na pobreza.

Em 1984, três quartos da população chinesa vivia em pobreza extrema. Foi nesse ano que o Simpósio de Economistas Jovens e de Meia-idade se reuniu com o propósito de libertar a capacidade de criação de riqueza que apenas o capitalismo parecia conseguir. Depois de muito se debruçarem sobre o assunto propuseram uma solução que viria a transformar o país e o mundo sem, no entanto, renegar os princípios da economia planificada: todas as empresas tinham que produzir a quota que lhes fosse atribuída mas poderiam vender o excesso de produção ao preço que quisessem, onde e quando quisessem.

Desde aquele longínquo ano que o Ocidente espera que a China sucumba sob a aparente contradição do seu sistema. Quanto mais prosperidade, mais o chinês comum pediria liberdades e acesso à partilha do poder. Era isso o esperado. Mas o tempo passa e quem sucumbe sob as suas contradições é o Ocidente, democrático na política, mas desigual na criação de riqueza. Democrático na informação, mas falso e manipulador na sua disseminação. Democrático nas liberdades, mas castrador no politicamente aceitável. Democrático na liberdade de circulação, mas discriminador nos que a podem exercer. Democrático na eleição dos seus líderes, mas autoritário naqueles que escolhe.

E é assim que um país com 1,3 mil milhões de cidadãos, com internet e comunicação social censuradas, com sistemas de vigilância de cidadãos sem par na história da humanidade, com total falta de exercício democrático do poder, ou da sua vigilância, é hoje mais próspero, mais estável e, para os seus, um melhor modelo social do que tudo o que se encontra por cá.

Perdemos a História quando nos convencemos que “as liberdades” são mais importantes que a liberdade económica. Mas, o “direito à busca da felicidade” passa sobretudo por aí. A democracia esboroa-se na exata medida em que cresce a desigualdade. Enquanto não resolvermos esta, não teremos aquela. E recuso-me a acreditar que a China seja o caminho.