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30 anos da CMVM: “Regulamentação e a fiscalidade têm de se adaptar a este novo mundo”

Foi Filipe Santos, diretor da Católica-Lisbon, que trouxe para o debate a dicotomia investimento produtivo versus investimento especulativo. “A regulamentação e a fiscalidade têm de se adaptar a este novo mundo e taxar o que é especulativo e beneficiar o que é produtivo”, disse o especialista da Católica.
11 Maio 2021, 15h32

Durante um debate sobre o futuro da regulação e da supervisão do mercado de capitais, com a participação de Gabriela Figueiredo Dias, presidente da CMVM; de Arlindo Oliveira, Professor do Instituto Superior Técnico e Presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores; de Filipe Santos, Diretor da Católica-Lisbon, e de João Nuno Mendes, Secretário de Estado das Finanças, foi abordado o tema das moedas digitais.

Foi Filipe Santos, diretor da Católica-Lisbon, que trouxe para o debate a dicotomia investimento produtivo versus investimento especulativo. “Quando eu invisto num ativo empresarial ou numa start-up, eu estou a fazer um investimento produtivo, porque o meu dinheiro vai ser aplicado na criação de emprego, na economia, mas seu eu invisto, por exemplo, em bitcoins, eu estou a comprar um ativo digital que não tem qualquer correspondência com a economia, é um investimento especulativo, onde posso ganhar dinheiro destruindo valor para a economia”, disse o especialista.

O diretor da Universidade Católica, salientou o perigo destes investimentos que não são regulamentados nos mercados, citando o exemplo do caso GameStop nos Estados Unidos. Recorde-se que uma cadeia de lojas de videojogos, começou o ano a cotar 17 dólares por ação, mas  alcançou os 483 dólares e fechou janeiro com uma valorização de 1600%. O fenómeno tem na base um movimento de protesto organizado de pequenos acionistas.

“O desafio da regulação é estar presente sem ser demasiado onerosa para as plataformas”, defendeu o especialista.

Filipe Santos chamou a atenção para o facto de fiscalidade ter de ser ajustada. “Se eu compro hoje ações no mercado de capitais e ao vender tenho um ganho de 50% pago 28% de imposto, mesmo que parte do meu portfólio ainda esteja a perder dinheiro, mas se comprou uma bitcoin e tenho um ganho de 50%, pago zero de impostos. Assim o investimento especulativo não é fiscalmente tributável, o investimento produtivo é fiscalmente tributável”, disse.

“A regulamentação e a fiscalidade têm de se adaptar a este novo mundo e taxar o que é especulativo e beneficiar o que é produtivo”, disse o especialista da Católica.

“Tenho uma grande preocupação com a fiscalidade, não tanto pelo nível em que ela está, mas pela distorção e pela injustiça comparativa, onde os investimentos especulativos em ativos digitais têm 0% de tributação e os ativos produtivos têm tributação”, reforçou Filipe Santos.

Outro exemplo, ” se eu tenho uma economia tradicional pago impostos, mas as novas empresas digitais globais, que têm valorizações significativas, têm uma taxa de imposto mínimo, porque o serviço digital permite escapar”. A distorção das fiscalidade é dos maiores impedimentos atuais ao progresso da sociedade”, defendeu.

Gabriela Figueiredo Dias, presidente da CMVM, concordou com esta ideia. No seu discurso introdutório, a presidente da CMVM, já tinha abordado o impacto da digitalização nas empresas.

A tendência, em ritmo cada vez mais acelerado, da digitalização foi focado pela responsável pela entidade reguladora do mercado de capitais. “De facto, o acesso e o tratamento massificado de grandes blocos de informação (designada em inglês, por big data), a utilização de novas formas de distribuição e de registo descentralizado de produtos e serviços financeiros (através de DLT ou blockchain) ou a prestação de serviços de aconselhamento ou de gestão de carteira automatizados e assentes em mecanismos de inteligência artificial (que comummente designamos por robo-advice), são exemplos de desenvolvimentos já materializados mas que, provavelmente, constituem apenas uma tímida amostra do futuro próximo”.

Gabriela Figueiredo Dias referiu ainda que “a conjugação das novas formas de fazer negócio com a progressiva alteração do perfil dos investidores, – sendo estes cada vez mais sensíveis ao ambiente digital, aos serviços prestados com base em sistemas de inteligência artificial e com maior automação – abre caminho a um reposicionamento das famílias perante os serviços financeiros, traduzido naquilo a que me atreveria a designar por a ‘afirmação do investidor de retalho’ no mercado”. O que “gera oportunidades muito significativas, mas levanta outro tipo de desafios e riscos. Desde logo, na necessária adaptação da regulamentação e da supervisão, visando a segurança com que os serviços financeiros são prestados e a proteção dos investidores, incluindo na gestão de dados resultante de uma lógica crescente de ‘open finance’”.

Com efeito, “o elevado grau de desintermediação potenciado pela crescente digitalização dos serviços financeiros e a crescente utilização e interpretação de informação veiculada nas redes sociais, reforçam as preocupações a que já aludi sobre a integridade dos mercados, bem como sobre as condições de tomada de decisão dos investidores, num ambiente de crescente ‘gamificação’ dos investimentos e a uma velocidade que agrava os riscos de enviesamentos comportamentais”, salientou Gabriela Figueiredo Dias.

 Moda do investimento sustentável

Sobre a tendência de investimento sustentável, Filipe Santos considerou uma das mais importantes transformações do mercado dos capitais. “Hoje em dia existem mais de 100 triliões de dólares de ativos sob gestão profissional, a nível mundial, e desses 30% já é gerido com critérios de sustentabilidade, nomeadamente ESG, onde se destinge os bons dos maus investimentos não só pelo potencial retorno financeiro, mas pela garantiam que dão de algum alinhamento com valores ambientais, sociais e boa governance”, disse.

Isto cria mecanismos virtuosos no mercado, concluiu. “Daqui a 5 ou 10 anos o investimento sustentável vai ser a norma e não a exceção, e as industrias poluentes serão as exceções. Se calhar haverão fundos que se focam nestes investimentos porque a maioria do mercado vai focar-se em investimentos sustentáveis”, referiu Filipe Santos.

A mudança na sociedade consiste na mudança de medida de valor criado. “O que estes critérios fazem é associar o retorno do investimento ao valor gerado para a sociedade”, considerou o especialista.

Já a presidente da CMVM, no seu discurso tinha abordado a agenda da sustentabilidade e reflexão “sobre o contributo da atividade económico-financeira para uma maior equidade social e viabilidade ambiental”.

“A agenda regulatória Europeia é, nesta matéria, um claro reflexo, mas também impulso, da importância da integração de fatores ambientais, sociais e de governo societário na condução da atividade financeira, a par de toda a reflexão e propostas que estão a ser desenvolvidas por outras instituições internacionais, como a IOSCO, e, inclusive, por grupos e iniciativas privadas, de enorme relevo”.

“No que respeita ao caminho que está a ser percorrido nesta matéria, a que a CMVM aderiu com entusiasmo”, Gabriela Figueiredo Dias sublinhou “que a urgência climática, indiscutível, não deve levar à desvalorização da relevância dos fatores social e de governo societário, o que foi amplamente evidenciado pela Cimeira Social organizada pela Presidência Portuguesa da UE, na qual  os líderes europeus assumiram o Pilar Europeu dos Direitos Sociais “como um elemento fundamental da recuperação”.

“Uma das vias mais eficazes de transformação social e económica assenta no reforço das estruturas e mecanismos de bom governo das empresas que possam trazer maior valor para a empresa e um efetivo compromisso com o bem comum”, disse ainda a presidente da CMVM que defende a integração das três dimensões  (environmental, social and corporate governance).

“Temas tão clássicos como a relevância e responsabilização da função de fiscalização, a diversidade (em sentido amplo) nos órgãos de administração, as políticas e práticas remuneratórias e o envolvimento dos investidores na dinâmica das empresas ganham, no contexto atual, uma importância e relevo acrescidos, sob o impulso inexorável da agenda da sustentabilidade, do foco em objetivos de longo prazo e da consideração de outros grupos de interesses na definição das políticas e objetivos de gestão das grandes empresas”, disse a presidente da CMVM no seu discurso de abertura da conferência online.

“Importa ainda ter presente que, em matérias de finanças sustentáveis, há um longo e difícil caminho, a percorrer, de identificação sustentada de riscos, atividades e dados relevantes, bem como de suporte e de supervisão da integridade, transparência e comparabilidade de dados e resultados”, alertou a responsável pelo regulador.

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