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Paulo Sande: “Vamos eleger dois eurodeputados do Aliança e será bom para o país ter uma nova atitude na Europa”

O cabeça-de-lista do novo partido Aliança expressa a sua confiança na obtenção de um bom resultado nas eleições europeias, sublinha a importância de “encontrar um equilíbrio” entre o federalismo e o soberanismo, propõe “deputados-sombra” para assegurar um maior escrutínio e quer que todas as normas europeias sejam avaliadas do ponto de vista do impacto ambiental.
22 Maio 2019, 07h40

Perfilha a visão de Jacques Delors da União Europeia como uma bicicleta em que é preciso continuar a pedalar para não cair? Ou considera que se chegou a um ponto do percurso em que é melhor parar um pouco para refletir?

Há muitos anos que essa metáfora deixou de ter validade. E deixou de ter validade na substância, porque na Europa, se pensarmos assim, a bicicleta já andou para trás várias vezes e, apesar de tudo, não caímos. Mas também nos tratados, porque a lógica de uma Europa sempre cada vez mais integrada, portanto mais aprofundada, cada vez mais e mais, também deixou de fazer sentido, sobretudo depois da revisão de Lisboa. As revisões anteriores, apesar de tudo, tentaram encontrar ali um equilíbrio, um compromisso entre o alargamento, que se foi fazendo, e o aprofundamento.

 

O alargamento aos países da Europa do Leste foi a principal causa de abrandamento da integração?

Sim, por uma razão objetiva muito simples, que é a seguinte: a União Europeia foi sempre um projeto de coesão. A ideia de que é possível criar este grau de integração entre estados independentes, quando esses estados são muito diferentes entre si, em termos de desenvolvimento, rendimento individual das pessoas, riqueza relativa, etc., essa ideia é uma ideia que nunca fez parte do projeto europeu. Nunca houve essa noção, pelo contrário, houve sempre a ideia de que era preciso, sempre que havia um alargamento, garantir que a coesão se fazia. No fundo, que havia uma aproximação. Por isso, o grau de solidariedade europeu concretizou-se sempre em políticas concretas. Desde o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), que foi criado nos anos 70, com a integração do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca, mais tarde o Fundo de Coesão, e só começou a não acontecer justamente já no século XXI e a partir do momento em que a União Europeia se alargou de 15 a 28 Estados-membros num espaço muito curto de tempo. Desses 13 novos países, a esmagadora maioria eram países mais pobres do que a média europeia, o que fez não apenas com que a média do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, se quisermos utilizar esse indicador, se tivesse reduzido, como também aumentaram as assimetrias, os desequilíbrios, as desigualdades. Esse é um fator terrível para a União Europeia e para o processo de integração que é provavelmente, não direi que é o único, mas talvez possa dizer que é o mais importante fator de desagregação. A pressão que neste momento se sente, nesse sentido, tem muito a ver com isso. E por isso é tão urgente corrigir isso. E por isso é que esse é o nosso principal tema, a nossa principal prioridade.

 

“A União Europeia foi sempre um projeto de coesão. A ideia de que é possível criar este grau de integração entre estados independentes, quando esses estados são muito diferentes entre si, em termos de desenvolvimento, rendimento individual das pessoas, riqueza relativa, (…) é uma ideia que nunca fez parte do projeto europeu. Nunca houve essa noção, pelo contrário, houve sempre a ideia de que era preciso, sempre que havia um alargamento, garantir que a coesão se fazia. No fundo, que havia uma aproximação. Por isso, o grau de solidariedade europeu concretizou-se sempre em políticas concretas”.

 

Estando no Parlamento Europeu, se for eleito, defenderá uma visão mais federalista ou mais soberanista? Ou não diria totalmente soberanista, mas defensor da recuperação de soberania em determinadas matérias?

Eu acho que fez a definição correta da questão, que é a seguinte: nem federalismo, nem soberanismo. O federalismo não faz sentido nenhum. Hoje não é mais do que uma ideologia sem grande sentido na Europa, não é esse o caminho, pelo contrário, o caminho foi outro. Houve de facto um processo de integração, aprofundada em algumas políticas, mas não se criaram estruturas verdadeiramente federais, no sentido da sua completude. Não quer dizer que em qualquer situação não haja elementos que podem ser assimilados a uma realidade federal, mas nem a Europa é um Estado, nem o processo de integração caminhou no sentido de uma cada vez maior integração e muito menos da criação de verdadeiras soluções federais. O que a Europa tem de fazer é encontrar um equilíbrio entre essas duas realidades. É nesse equilíbrio que está a solução para o futuro. Portanto, soluções mais soberanistas, ou de regresso às nações, aos Estados-nação tal como eles existiam antes da União Europeia, também não fazem sentido, são contra-corrente, são contraproducentes, fazem mal à Europa e fazem mal a todos nós. Por isso nós temos que encontrar um caminho de equilíbrio. Esse caminho passa por corrigir os erros e os desequilíbrios dos últimos anos – já falámos da questão da coesão, mas podemos também falar, por exemplo, das questões das migrações, dos refugiados, podemos falar das ameaças externas que são cada vez maiores, podemos falar das duas grandes revoluções em curso que põem em causa o processo europeu, a revolução ambiental e a revolução tecnológica, e a tudo isso é preciso dar resposta. A Europa tem que encontrar esse equilíbrio e tem que o fazer de forma clara, percebendo que a solidariedade é fundamental, tal como a recuperação de alguns valores europeus que se perderam neste processo. Os valores que estiveram presentes na construção da União Europeia e que, em alguns casos, estão a ser erodidos em grande velocidade.

 

 

Atendendo a esse equilíbrio que defende, pode concluir-se que a Aliança se situa no centro político, ou a meio caminho entre os principais partidos que são mais federalistas e os partidos à esquerda e à direita que são mais soberanistas? No que respeita aos soberanistas, muitas vezes por razões distintas, económicas ou identitárias. A Aliança representa uma espécie de centrismo?

Não é centrismo. Eu não confundo centrismo, até porque o centrismo, nesta dialética de esquerdas/direitas que, enfim, subsiste há 300 anos, desde a Revolução Francesa, hoje é uma discussão quase estéril. O que nós temos que ter aqui é uma visão de equilíbrio, uma visão de encontrar as soluções corretas para os problemas que vivemos. Mas são soluções concretas. Há uma coisa a que eu não quero fugir, acho que é fundamental discutirmos: como é que a Europa pode, de facto, reencontrar esse equilíbrio? Isso é muito, muito importante. Agora, soluções soberanistas, seja de regresso a modelos protecionistas, modelos em que as questões identitárias são cruciais… As questões identitárias são obviamente cruciais, não podem é ser transformadas no único fator relevante, à exclusão de todos os outros. Há muitos outros fatores, nós vivemos num mundo muito complexo. E esta simplificação das questões, sobretudo nas soluções que são apresentadas, é perigosíssima. É perigosíssima para o futuro de todos nós. E a política que fazemos hoje, mesmo aquela que estamos a fazer nesta campanha, é uma política perigosa. Nós temos que encontrar novos modelos, temos que associar as pessoas. Por exemplo, na Europa não pode continuar a acontecer este distanciamento entre as pessoas e as normas que nos regulam. É de equilíbrio que se trata. Eu rejeito completamente soluções extremas, sejam elas quais forem. Para quem quer sair da União Europeia, que lute pela saída da União Europeia, mas também depois que não queira aproveitar-se das oportunidades e dos benefícios que a União Europeia lhes traz. Quem acha que a Europa pode voltar a um modelo de Estados-nação, fechado, protecionista, enfim, baseado nesses tais valores identitários que hoje em dia não fazem nenhum sentido… Eu tenho que defender Portugal, mas para defender Portugal não me posso fechar ao mundo. Eu tenho que defender Portugal abrindo-me ao mundo. Sendo cada vez mais europeísta, no fundo. E ao mesmo tempo também mais português, mais patriota, porque ser patriota é importantíssimo para justamente projetarmos essa nossa identidade. Sendo ativos na Europa, nós temos que agir em vez de reagir. Para que Portugal cumpra o seu potencial, esse é o grande drama do nosso país. E não é de agora, é um drama antigo. Nós não aproveitamos as oportunidades que temos.

 

“Nem federalismo, nem soberanismo. O federalismo não faz sentido nenhum. Hoje não é mais do que uma ideologia sem grande sentido na Europa, não é esse o caminho, pelo contrário (…). Houve de facto um processo de integração, aprofundada em algumas políticas, mas não se criaram estruturas verdadeiramente federais (…). O que a Europa tem de fazer é encontrar um equilíbrio entre essas duas realidades. É nesse equilíbrio que está a solução para o futuro. Portanto, soluções mais soberanistas, ou de regresso às nações, aos Estados-nação tal como eles existiam antes da União Europeia, também não fazem sentido, são contra-corrente, são contraproducentes, fazem mal à Europa e fazem mal a todos nós”.

 

Se chegar ao Parlamento Europeu, a Aliança vai integrar-se em que grupo político?

Isso está falado, estamos inclinados para um grupo e digo inclinados porque ainda não há uma decisão final. A decisão final será depois das eleições. Até para perceber também o que será esse grupo político. Mas nós, em princípio, sendo um partido liberal, um partido liberal da liberdade, é isso que nós somos, naturalmente que no Parlamento Europeu, no panorama atual dos grupos políticos, temos um local natural onde ficar, que é o grupo liberal [Grupo ALDE – Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa]. Já falámos, as coisas estão claras dos dois lados, mas a seguir às eleições veremos. Até porque vai haver uma grande reconfiguração dos grupos políticos no Parlamento Europeu e pode haver novidades que nós neste momento não conseguimos antecipar.

 

O que diferencia mais a Aliança dos outros partidos portugueses que já têm representação no Parlamento Europeu? Que mais-valia poderia gerar um ou mais eurodeputados da Aliança?

Em primeiro lugar, eu espero que seja mais do que um eurodeputado. Porque quanto mais eurodeputados elegermos, mais influência, mais capacidade teremos de fazer passar as nossas propostas. Em segundo lugar, há uma coisa fundamental que é a capacidade – e nós propomos, temos medidas muito concretas para que isso possa acontecer – de garantir que haja, de facto, uma muito maior ligação entre os eurodeputados e os portugueses, no seu dia-a-dia. Eu não posso aceitar e acho que não há essa percepção, essa consciência da parte dos eurodeputados que lá estão, é que a ligação com os portugueses é uma ligação completamente, enfim, quase inexistente. É muito distante, as pessoas não percebem bem o que é que se passa em Bruxelas. É urgente criar mecanismos e nós propomos alguns. Só nós é que propomos e desde logo aí estamos a fazer a diferença. Por exemplo, a proposta de criação dos deputados-sombra. O que é isso dos deputados-sombra? Os nossos candidatos ao Parlamento Europeu vão acompanhar o trabalho de um eurodeputado, cada um acompanha o trabalho de um eurodeputado. A ideia é essa, vamos procurar saber o que estão a fazer os eurodeputados, que relatórios é que têm, o que está a acontecer, e vamos usar os nossos canais para difundir essa informação. E mais, convidámos todos os partidos políticos, todos os concorrentes, a fazerem a mesma coisa. Depois, nesse processo, nós queremos que haja um escrutínio absoluto. Outra coisa que também queremos é que, nas matérias que são verdadeiramente importantes para Portugal, os eurodeputados portugueses possam trabalhar em conjunto. Que se esqueçam de vez em quando dos grupos políticos em que estão.

 

 

O manifesto eleitoral da Aliança parece não conferir uma grande centralidade às matérias ambientais, desde logo as alterações climáticas…

Claro que não, sabe porquê? Porque as questões ambientais não são centrais, são transversais. Voltamos ao equilíbrio. É preciso que esteja em tudo. Qual é a minha preocupação, além dessa ideia de coordenar as políticas, de encontrar aqui mecanismos que nos ajudem? Eu sei que nós temos leis ambientais que não são verdadeiramente eficazes, eu sei que nós temos normas decorrentes de diretivas europeias que foram transpostas em excesso e, portanto, não resolvem o problema, porque acabam por servir outros interesses. É isso que nós queremos fazer, ou seja, um escrutínio sério.

 

Mas não considera que estamos perante uma situação de emergência climática?

Sim, não há outro planeta.

 

Isso não implica transformações profundas no modelo económico, industrial, ao nível da produção e consumo?

Neste momento há elementos de enorme dramatismo. A questão do aquecimento global é óbvia, as situações extremas são cada vez mais correntes…

 

Sendo Portugal um dos países mais vulneráveis, dada a sua localização geográfica…

Claro que sim, mas Portugal não resolve esse problema sozinho.

 

Daí a importância acrescida desta questão nas eleições europeias, mais do que nas eleições legislativas…

Exatamente. Eu acho que este é um problema transversal. Por exemplo, uma das coisas fundamentais é que, em todas as normas europeias, a questão ambiental seja considerada em todas. É como a subsidiariedade. O princípio da subsidiariedade aplica-se a tudo, é um princípio geral. Mas depois há questões fundamentais que devem ser tidas em conta nas normas europeias. O que eu quero é que, em cada uma das normas europeias, as questões ambientais, as transições energéticas, todas essas questões sejam tidas em conta. Em cada norma, avaliar o impacto, avaliar o que significa em termos ambientais. Isto faz sentido até do ponto de vista legislativo, da qualidade legislativa.

 

Perante as sondagens que têm sido divulgadas, está confiante de que vai ser eleito?

Eu acredito que vamos eleger dois eurodeputados. E espero que consigamos, porque ter dois eurodeputados dá-nos um poder de influência muito diferente do que ter só um. Mas se tivermos só um, vamos fazer o mesmo trabalho, eu vou dar o meu melhor. E acho que é bom para o país que haja uma nova forma de olhar para a Europa e uma nova atitude na Europa. Porque, sem isso, vamos continuar a ter mais do mesmo.

 

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