Que bela metáfora do mundo atual: em dia de votação presidencial nos EUA, uma quantidade enorme de donos de empresas multimilionárias (a maior parte norte-americanos), andam a passear-se por Lisboa e a ouvir-se uns aos outros na Meo Arena.
Enquanto se decidia se era Hillary Clinton ou Donald Trump a assumir a presidência do país mais rico do mundo (e ainda o mais poderoso), muitos dos empresários mais importantes do mundo estavam entretidos a falar das suas empresas e a fazer networking, demonstrando que, na prática, já não importa muito quem está no Governo dos EUA.
A globalização desregulada que a OMC proporcionou, com a condescendência colaboracionista dos governos ocidentais (nomeadamente dos EUA e da UE), a partir do final dos anos 80 do século passado, resultou, agora, numa efetiva destituição do poder democrático das nações.
Hoje, as alternativas políticas dentro das nações estão constrangidas pela liberdade de circulação do capital, pela liberdade de circulação de bens, serviços e pessoas, e pelo poder das multinacionais.
Hoje, o que a Google, o Facebook, a Apple, a Amazon, a Uber e afins decidem fazer – onde produzir, o que produzir, que algoritmos utilizar, o que fazer com as informações recolhidas dos seus utilizadores, etc. – acaba por ser muito mais determinante do rumo das nossas vidas quotidianas do que as decisões dos políticos que governam as diversas nações democráticas. E isso é dramático. Isso é a destruição da democracia, porque as empresas não são democráticas e os mercados também não.
A globalização não pode continuar a destruir o poder democrático. E estão muito enganados aqueles que pensam que a integração económica internacional é um processo irreversível. A história mostra que esse processo é oscilante, havendo períodos de maior integração que são sucedidos por períodos de menor integração.
A globalização do comércio, dos capitais e das migrações tem profundas implicações na vida das populações dos diferentes países, e está longe de ser pacífica ou genericamente positiva. Todos aqueles que, nos países desenvolvidos, têm sofrido com a desregulação da globalização não se vão calar enquanto não virem os seus problemas resolvidos.
Não se pode mais continuar a importar livremente produtos provindos de países ditatoriais, sem direitos laborais, com exploração quase escrava e trabalho infantil ou sem preocupações ambientais. Não se pode também permitir que as empresas das novas tecnologias se transformem em plataformas distribuidoras de trabalho, sem assumirem nenhumas responsabilidades laborais.
Este dumping social e ambiental e esta desregulação laboral é insustentável e tem que ser fortemente combatida. Mas isso só será feito por governantes nacionais que se imponham ao poder já instalado das grandes multinacionais, que muito tem beneficiado com esta desregulamentação. Infelizmente, muitos políticos ocidentais têm-se vendido a esses interesses instalados. Essa perceção de corrupção dos políticos faz nascer a possibilidade de candidatos antissistema virem a ganhar eleições, com consequências imprevisíveis para o mundo.
Todos aqueles que preferem as reformas às revoluções têm que ser fortes defensores da regulação da globalização pois, se nada for feito, a rutura violenta será o mais provável. Ah, já me esquecia: Donald Trump é o novo Presidente dos EUA (e não vai fazer nada do que seria necessário).