Nunca, como nos últimos tempos, se discutiu tanto em torno de dois números. Os professores reivindicam a contagem do tempo congelado (nove anos, quatro meses e dois dias), o Governo contrapõe com menos 2.389 dias (dois anos, nove meses e 18 dias).

Na passada quinta-feira, a situação precipitou-se com a aprovação na especialidade (na Comissão de Educação) da contagem integral do tempo congelado aos professores. Os sindicatos clamaram vitória, com Mário Nogueira a monopolizar os espaços noticiosos, o Governo ameaçou com a apresentação da sua demissão e com o fim da geringonça, os partidos da direita e da esquerda, que se juntaram para dar uma estocada no executivo, apresentaram versões diferentes para um documento que, aparentemente, os havia unido, o Presidente da República, normalmente tão interventivo e falador, remeteu-se ao silêncio.

António Costa jogou uma cartada de mestre, anunciando ao Presidente da República e ao país a intenção de se demitir caso o diploma fosse aprovado na generalidade na Assembleia da República, apostando na estratégia da vitimização tão característica do antigo líder socialista José Sócrates. Os diferentes partidos, da esquerda à direita, apressaram-se a falar em chantagem e ultimato, em golpe palaciano do primeiro-ministro, em calculismo eleitoral, em golpe de teatro.

Costa, que durante tanto tempo acusou Passos Coelho e Vítor Gaspar de defenderem uma austeridade perniciosa e de se preocuparem em exclusivo com o défice orçamental, vem, agora, ameaçar com o papão da orgia orçamental e Mário Centeno está transformado numa espécie de discípulo dos ideais de Vítor Gaspar.

Mas, afinal, quais as posições dos diferentes partidos.

O BE e a CDU defendem a reposição integral do tempo de serviço congelado, haja ou não dinheiro para o fazer. Para estes, o que interessa é o princípio, não importando se existem os meios capazes para concretizar o ideal.

O PSD e o CDS defendem a reposição integral do tempo de serviço congelado, mas só e quando a situação económica o permitir, ou seja, advogam a introdução de uma cláusula de salvaguarda de sustentabilidade financeira e crescimento económico da qual dependerá a concretização da medida. Desta forma, confere-se um direito na teoria que, depois, na prática, poderá nunca vir a ser implementado por falta de condições.

O PS defende que apenas se deverá descongelar dois anos, nove meses e 18 dias de todo o tempo de serviço congelado, independentemente de haver ou não dinheiro para efetuar a reposição integral do tempo de serviço congelado, com António Costa a acenar com a ideia de que nem daqui a dez anos haverá condições para satisfazer as pretensões dos professores.

Em suma, uns dizem para dar aos professores tudo o que estes reivindicam, haja ou não dinheiro para o fazer; outros defendem que se dê tudo o que eles reivindicam, mas só se houver dinheiro para o fazer; e outros advogam que se não poderá dar senão 1/3 do pedido, mesmo que existam os meios financeiros para o fazer.

O Ministério das Finanças fala em mais de mil milhões de euros de impacto orçamental, afirmando que a recuperação integral do tempo de serviço congelado nas carreiras especiais da administração pública custará 581 milhões de euros em 2020, ao que se terá que somar os encargos com as progressões nas carreiras já em curso desde janeiro de 2018 (428 milhões de euros).

Independentemente da justiça ou não das reivindicações dos professores, que são, no topo da carreira (10.º escalão remuneratório), e ao contrário da maioria dos países da OCDE, mais bem pagos do que a generalidade dos trabalhadores com formação superior, auferindo 3.364 euros ilíquidos, o certo é que dificilmente existirão condições para devolver aos professores e às demais carreiras especiais da administração pública, nos próximos anos, o tempo de serviço que lhes foi congelado sem nos atirar para os braços de uma nova troika e de mais cortes e sacrifícios.

O que o Governo fez de errado foi bradar aos quatro ventos o fim da austeridade, reduzir acriticamente os horários da função pública, repor cortes que justificadamente haviam sido efetuados, substituir impostos diretos por impostos indiretos, aumentando subliminarmente a carga fiscal, e, depois, vir acenar com o rigor das contas públicas e com os compromissos assumidos no seio da União Europeia.

O taticismo e a estratégia dos diferentes partidos fazem com que seja difícil perceber qual deles irá retirar dividendos políticos deste imbróglio em que o país se viu mergulhado, sendo certo que, tradicionalmente, não é fácil governar contra o corporativismo dos professores.

Mas, António Costa, certo de que as sondagens não lhe auguravam melhor do que uma vitória magra nas legislativas, que o fariam depender, novamente, de uma geringonça 2.0, lançou mão de uma cartada que lhe poderá, a concretizarem-se os seus melhores sonhos, atirá-lo para uma maioria absoluta, dada pela população que poderá ver nos professores uma classe privilegiada que quer pôr em risco as conquistas alcançadas nos últimos anos.