Continuam e continuarão por muito tempo os ecos das eleições brasileiras. É natural que os portugueses, por si e pelos muitos brasileiros que cá vivem, se tenham sentido motivados pelo duelo Bolsonaro/Haddad.

Contudo, e até agora, uma só conclusão parece indiscutível: por muito que nos esforcemos, dificilmente nos conseguimos colocar na posição dos brasileiros que vivem no Brasil, que torna improvável um juízo acertado acerca das verdadeiras razões que levaram à vitória de Bolsonaro. Essa dificuldade de interpretação acentua-se entre os que se consideram de esquerda.

A segunda constatação tem que ver com os verdadeiros motivos da discussão portuguesa: desconsiderar e criticar os adversários ideológicos. À esquerda acusar a direita de não ser liberal e de “flirtar” com o autoritarismo. À direita acusar a esquerda de sobranceria anti-democrática, desconsiderando a vontade do povo quando o povo recusa as suas ideias.

Mas nada disso surpreende verdadeiramente, encaixando na polarização ideológica que a geringonça acentuou e que os sucessos do populismo internacional facilitam. A única coisa que surpreende, no meio da vozearia, foi uma singela declaração da líder do CDS/PP ao recusar-se a escolher entre Haddad e Bolsonaro. Não, é claro, pela decisão substantiva, igual a tantas, na esquerda e na direita moderadas, mas pela forma dessa recusa. Cristas alegou que se abstinha: “eu não votaria no Brasil”. A chefe dos democratas-cristãos é professora de Direito. Sabe do que fala e não é razoável que se engane.

Assim sendo, e fazendo fé no que veio a público, tais ideias merecem crítica. Advogar a abstenção em vez do voto branco ou nulo, é colocar a discussão num plano distinto. O da recusa do sistema político democrático, ou, pelo menos, da recusa de legitimidade democrática das concretas eleições presidenciais brasileiras. E como o voto no Brasil é legalmente obrigatório, advogar a abstenção é também fazer a apologia da ilegalidade.

Nenhuma destas ilações é abonatória para a líder do CDS. É que, se no contexto brasileiro a defesa da abstenção, para traduzir a recusa dos dois candidatos, pode ter uma leitura anti-democrática, a nível interno é pior. Exige-se que a chefe de um dos principais partidos portugueses faça a defesa da participação eleitoral, justamente no momento em que abstenção aumenta exponencialmente.

É que o eleitor, cá ou lá, mesmo que não confie em nenhum partido ou candidato tem à sua disposição formas de expressar tal entendimento sem deixar de participar eleitoralmente e assim fazer valer o apoio ao regime  democrático. O voto branco ou nulo pode traduzir esse entendimento. Em rigor, o voto branco é o que, do ponto de vista da pedagogia democrática, suscita a melhor defesa. Não se confunde com um erro ou lapso que eventualmente anule o boletim de voto e traduz a defesa dos ideais democráticos.

É difícil admitir que a opinião de Cristas  tenha  sido um lapsus linguae. Mas se o foi convirá que não demore muito em o corrigir.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.