Sensivelmente três anos após a detenção de José Sócrates, e quatro depois do início da investigação, o Ministério Público deduziu acusação na Operação Marquês. A acusação foi uma notícia bem acolhida pela opinião pública que há muito parece ter formado a sua convicção sobre as responsabilidades do ex-primeiro ministro no processo. Ainda que alguns não tenham opinião firme sobre as acusações de corrupção e dos complexos circuitos financeiros descritos pelo MP, a divulgação de escutas para a imprensa, ainda que tática e ilegal, teve o efeito de criar a convicção generalizada de que Sócrates era o verdadeiro dono do património em nome do seu amigo de infância. Por isso, quando se soube que a acusação foi finalmente deduzida, o primeiro sentimento público foi o de que esta é justa, até mais do que correta em todos os seus termos.

Um processo desta natureza, que envolve um ex-primeiro ministro, é obviamente especial por várias razões. Por ser a primeira vez que alguém que foi chefe de governo é acusado de crimes tão graves no exercício das funções. Porque o escrutínio público será elevadíssimo. E porque o desfecho do processo marcará para sempre a nossa sociedade, sobretudo a credibilidade da justiça e a nossa exigência coletiva.

O caminho que temos pela frente é, porém, sinuoso. Sobre o processo paira a ameaça do decurso do tempo, que não é pequena. Num país em que os acusados se dizem sempre inocentes e em que as regras concedem às partes (não apenas aos acusados) amplas possibilidades de recurso, nada leva a crer que o caso esteja concluído em menos de dez ou quinze anos. E o passar do tempo poderá afetar seriamente a credibilidade da justiça. Além das prescrições que podem deixar parte dos crimes pelo caminho, Sócrates e outros dos principais acusados neste processo, sendo condenados, terão na altura entre setenta e noventa anos. Não é muito provável que, com tal idade, lhes seja aplicável uma pena de prisão efetiva ou a ser, esta seja, minimamente expressiva. Corremos assim o risco de ter um sentimento de que, não obstante tudo o que ficou provado, houve impunidade. E esse é o sentimento mais perigoso e desmoralizador que poderemos ter enquanto sociedade.

Em segundo lugar, é extremamente negativo que o processo possa ser tão longo. Não só por ser mais provável que, sendo assim, haja impunidade, mas igualmente porque não é justo para os arguidos que o processo exista durante este tempo todo. Há regras que visam garantir o direito a um julgamento num prazo razoável. Mas o tema devia ser levado mais a sério, assegurando-se que não passa tempo demais. A justiça que se fará daqui a dez ou quinze anos já não é bem a mesma justiça.

Por fim, os grandes processos judiciais dão-nos a oportunidade de debater a justiça enquanto coletividade. Não são só os arguidos que estão a ser julgados. É a própria justiça. E é importante que não nos esqueçamos de que todos os dias há outros processos que apenas não têm arguidos tão mediáticos. E que as regras que desejamos que se apliquem agora, como o direito a um julgamento rápido e claro, são igualmente importantes em todos os outros casos.