O Professor Adriano Moreira sintetizou brilhantemente numa palavra uma das características mais patentes da sociedade contemporânea: o neo-riquismo.

Uma sociedade que, tendo perdido o sentido da transcendência, confiando somente no que é deste mundo, é fruto da mistura explosiva do hedonismo alimentado pela agenda de valores de certa esquerda, que estabelece a vontade de cada um como único critério legitimador da acção e do individualismo extremado ao egoísmo, defendido por uma direita neo-liberal dogmática, que não reconhece o conceito de sociedade e, consequentemente, as responsabilidades que o indivíduo deve ter para com esta, antes concebendo a competição e o enriquecimento como o alfa e o ómega da existência.

É, pois, neste quadro de valores, que se têm acentuado nas sociedades mais desenvolvidas as desigualdades, aprofundando-se o fosso entre um grupo restrito de titulares de fortunas colossais, em permanente crescimento – crescimento esse habitualmente em proporção superior ao crescimento económico – e a maioria da população, que enfrenta há mais de uma década uma estagnação ou parco crescimento dos seus rendimentos.

Isto tem provocado uma progressiva degradação das condições de vida das camadas médias da sociedade, comprometendo um modelo de mobilidade social ascendente que resultou nas sociedades prósperas e democráticas do mundo ocidental do pós-guerra, geradoras de um bem-estar geral, sintetizado pela famosa frase de Harold Macmillan, “you never had it so good”.

Temos, deste modo, uma sociedade que produz simultaneamente cada vez mais bilionários e cada vez menos classe média. Esta elite, cuja prosperidade assenta sobretudo em activos financeiros, ou seja, numa riqueza móvel, criou um modo de vida assente na acumulação, que se transformou em filosofia de vida.

Fazem-no não só engendrado mecanismos sofisticados de evasão fiscal, com o auxílio de consultores financeiros e advogados regiamente pagos – processo pomposa e enganadoramente designado de planeamento fiscal – nomadizando o seu dinheiro por ilhas exóticas, como transformando-se eles mesmos em nómadas de luxo, fixando residência em função da mais baixa taxa fiscal, despindo a cidadania de qualquer noção de pertença a uma comunidade, a uma cidade ou país, em suma, a um vínculo afectivo e identitário a um lugar.

Um comportamento cobiçoso, em suma, porque os impostos, nas taxas actualmente praticadas, se pagos na totalidade, não comprometeriam o seu estatuto de ricos, traduzindo-se apenas na posse de um menor número de bólides, iates e residências de luxo espalhadas pelo mundo. O que parece ser, para os super-ricos, absolutamente intolerável.

A perda pela elite económica da noção de responsabilidade social da riqueza – ressalvando-se algumas significativas excepções –, do imperativo moral de uma sociedade assente menos na acumulação e mais na distribuição, criou um escol apátrida, sem conexão com a sociedade que o rodeia, que decidiu desconhecer se não mesmo desprezar, vivendo olimpicamente numa realidade paralela, enclausurado numa jaula de ouro, tornando-se refém de si mesmo e do seu peculiar e excêntrico modo de vida, pautado por um consumo tão sumptuário quanto excessivo.

Agustina Bessa-Luís – na obra cujo título este artigo tomou de empréstimo e a que se acrescentou um parêntesis – com o estilo acutilante e sem contemplações que caracteriza a sua prosa, define precisamente este tique obsessivo dos tempos actuais: a procura de uma prosperidade que tem “muito de evasivo e de antipatia pelos outros” e que esquece que a riqueza deve ser “parcimoniosa”. “Senão torna-se facilmente uma forma de bestialidade”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.