A plataforma de streaming Netflix tem vindo a operar uma revolução eficaz que está a alterar os nossos hábitos de consumo de cinema e TV e a derrubar os alicerces de uma indústria altamente lucrativa e assente em resultados de bilheteira e campanhas de marketing dispendiosas por parte de estúdios de cinema.

A revolução começou ainda antes de chegar à indústria cinematográfica. Cedo a Netflix percebeu que a melhor forma de conquistar audiências teria de passar pela aposta em conteúdos arrojados e fora do padrão comercial ditado por produtores de estúdio. A elevada qualidade das novas séries televisivas criadas pela Netflix, a par da possibilidade de aceder de imediato a temporadas inteiras mediante um serviço de subscrição mensal, permitiu que se tornassem cada vez mais populares.

Paralelamente, ao estabelecer-se em inúmeros mercados internacionais, os subscritores da Netflix passaram a ter acesso a um catálogo muito mais diverso e estimulante que lhes permitia competir em pé de igualdade com produções norte-americanas e criar as suas próprias produções cada vez mais diversas em termos geográficos e culturais.

A estratégia da Netflix na televisão não os fez descurar a área de documentários e cinema e deu carta branca aos criativos mais talentosos da área, que viram a oportunidade de realizar o que nunca antes lhes tinha sido permitido pelas visões corporativas conservadoras de Hollywood.

Tudo começou a ficar mais sério e confuso quando a Netflix conseguiu, finalmente, concretizar um filme que não só era mero entretenimento, como também uma ambiciosa visão artística que vai beber às memórias de infância do realizador Alfonso Cuáron no México dos anos 70. O seu filme “Roma” quebrou a  norma ao permitir-nos ver em streaming uma obra artística que, normalmente, só encontramos em festivais e salas de cinema.

A reação de Cannes e da indústria de cinema francesa foi a de banir do seu festival o serviço de streaming, uma vez que o encaram com uma ameaça à natureza artística do cinema. No entanto, o próprio Cuáron refere que o seu filme jamais teria sido concretizado pelos estúdios tradicionais por ser considerado um filme pessoal, sem elenco conhecido, centrado no México e de língua espanhola.

“Roma” tornou-se no filme mais falado do momento e recebeu dez nomeações pela Academia dos Óscares, dominando nas categorias principais. Isso não impediu que fosse boicotado por várias distribuidoras que recusam exibir um filme que não passou pelos licenciamentos convencionais.

A verdade é que a estratégia da Netflix permitiu que os filmes voltassem a centrar-se na qualidade artística em vez de ficarem reféns de números e dinheiro. O que torna “Roma” e outras séries do Netflix um sucesso é o passa-palavra (“buzz”) criado pela sua audiência que se deixa cativar pela qualidade do produto e não hesita em o divulgar. Outro pormenor importante: a Netflix compreendeu que nem tudo o que é interessante tem de passar pelo mercado americano.

Grande parte dos estúdios recusaram-se a ficar para trás e começaram a desenvolver as suas próprias plataformas de streaming. Teremos assim vários gigantes corporativos a tentar dominar esse mercado nos próximos tempos, mas será que compreenderão as razões do sucesso da Netflix e recriar a mesma receita?