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Adriano Toloza: “A arte não é só entretenimento. Tem o dever de mudar mentalidades”

Em Portugal, Adriano Toloza já fez três novelas, todas para a TVI: “Ouro Verde”, “Na Corda Bamba” e “Valor da Vida”. Foi ainda apresentador do “Somos Portugal”, também na estação de Queluz de Baixo. Atualmente, pode vê-lo na novela brasileira de grande sucesso “Verdades Secretas”, cuja segunda temporada acaba de estrear no canal Globo Portugal. “Adoro trabalhar aqui porque me sinto mais protegido. É muito mais acolhedor, mais familiar!”, diz sobre o nosso país, que já sente também como seu.
29 Outubro 2022, 21h00

Se assiste à novela brasileira “Verdades Secretas”, cuja segunda temporada acaba de estrear no canal Globo, em Portugal, na posição 10, conhece Adriano Toloza, de 39 anos, o “personal sex”, como era chamado pela filha de “Pia”, ex-mulher de “Alex”, namorada do seu personagem, “Igor”. O ator volta a integrar o elenco desta produção de grande sucesso não só em além-mar como também entre nós.

Mas, não é só no Brasil que Adriano Toloza tem uma carreira com créditos firmados. Em Portugal o ator já fez três novelas, todas para a TVI: “Ouro Verde”, “Na Corda Bamba” e “Valor da Vida”. Foi ainda apresentador do “Somos Portugal”, também na estação de Queluz de Baixo.

Além de ter participado em várias peças de teatro, no Brasil, Adriano fez a longa-metragem “Texas”, uma produção iraniana filmada em São Paulo. O filme é uma trilogia e o ator gravou também “Texas 2”, desta vez em Teerão, em 2018. Quando deu esta entrevista ao JE, Toloza preparava-se para voltar ao Irão a fim de participar em “Texas 3”.

Falemos sobre a segunda temporada de “Verdades Secretas”. O “Igor” está chateado porque a “Pia” teve um filho e dá mais atenção à criança do que a ele…

Adriano Toloza (AT) – “Verdades Secretas” é realmente um grande sucesso. Foi a única vez na história da Globo que fizeram a continuação de uma novela. Vai estrear a terceira parte para o ano. E sim, o “Igor” agora é marido e é interessante, porque ele queria tanto ter um filho, e ela não, e, depois que teve, ele é que não aguentou. A expectativa é diferente da realidade e achei interessante essa parte da trama, porque ela acabou ficando uma mãe completamente apaixonada e super cuidadora, ao contrário do que foi com os outros dois, que eram problemáticos.

Acho que com esse filho ela quer acertar. E junto com isso diminui a libido, fica uma mãe completamente dedicada apenas à criança e acaba não dando atenção ao marido e aos outros filhos, Giovanna e Bruno. E o Igor não tinha maturidade para ser pai. Ele tinha o desejo, mas a maturidade não, como acontece em muitos casos.

Quais são as principais diferenças entre gravar uma novela em Portugal e no Brasil? O orçamento é maior?

AT – Sim, claro, o orçamento é maior porque o Brasil é do tamanho da Europa. Então, há mais investidores na televisão aberta, principalmente nos canais abertos. Mas, a diferença que vejo é apenas estrutural. Temos estúdios maiores, gravamos mais exteriores.

Mas a nível de trabalho é igual, não vejo nenhuma diferença. São os mesmos desafios, os mesmos problemas. A diferença é estrutural. Se vai gravar na Globo uma cena de explosão, você tem milhões de efeitos. Mas a conexão com os atores, realizadores, não vejo nenhuma diferença. Aliás, adoro trabalhar aqui porque me sinto mais protegido. É muito mais colhedor, mais familiar. A sala do diretor geral é ao lado do local onde os atores ensaiam, então se torna um ambiente mais agradável.

Passou o confinamento da pandemia de Covid-19 em Portugal…

AT – Passei cá. Foi logo quando acabou as gravações de “Na Corda Bamba”.  Tinha dois meses de férias a viajar pela Europa, viagens e hotéis marcadas e no segundo dia da minha viagem estourou tudo. Arrendava um apartamento aqui que tinha devolvido, porque ia para o Brasil gravar “Verdades Secretas II”. Devolvi o apartamento, fui viajar, fecharam as fronteiras, não tinha sítio onde ficar aqui. Ninguém queria me receber, porque eu estava em Itália, onde estava também o maior caos da pandemia.

Então fui para a Serra da Estrela, onde fiquei dois meses, numa quinta. Tive sorte. Foi melhor do que ficar fechado. Fiz caminhadas, corridas, escalada. Adoro animais, adoro me conectar com a natureza. Foi um processo solitário. Fiquei dois meses sozinho. Aproveitei também para ler e estudar.

Esteve também na ilha Terceira, nos Açores.

AT – Amei aquele lugar, nunca tinha visto nada assim…

Não achou isolado?

AT – Não. Quando não estou a trabalhar, eu me jogo na natureza, no mato, na praia. Moro em São Paulo, que é uma cidade muito grande, e a minha família tem uma quinta no interior do Estado e só vou para a cidade quando tenho de resolver coisas pontuais. Quando não estou a trabalhar, vou para a quinta, praticamente moro lá.

Gosto de ficar isolado, desse contato com a natureza. Sou caseiro. Não sou de sair para discotecas, prefiro estar com amigos em casa. Na ilha Terceira fiquei um mês. Gostei muito. Agora vou para a Serra da Estrela novamente, vou ficar lá mais uns dias.

Como é que se deu a sua entrada no mercado do cinema iraniano, já que integra a trilogia “Texas”?

AT – Estava em São Paulo e a produção iraniana ia filmar no Brasil. A história gira em torno de uns iranianos que vão fazer turismo ao Brasil. É uma comédia. Um dos protagonistas apaixona-se pela mulher de um bandido brasileiro. O primeiro filme foi todo filmado em São Paulo, com os atores brasileiros a falar português e a serem dobrados lá. E fez tanto sucesso que resolveram fazer o ‘dois’, desta vez no Irão.

Sentiu um choque cultural quando lá esteve? É uma sociedade muito diferente da nossa? É só o extremismo islâmico? Ou é muito mais do que isso?

AT – É um país incrível. Fui muito bem recebido.  Eles gostam muito de receber estrangeiros, até porque veem poucos. Fiquei impressionado com a beleza natural do país e com a diversidade que ele oferece: grandes metrópoles, templos, museus, mesquitas, florestas. A comida é maravilhosa, eles são gentis. É um país seguro. Gostei muito e estudo até a língua persa, há dois anos, já estou falando o básico, porque a minha ideia é fazer outras coisas lá. O cinema é muito bom, têm realizadores incríveis. Então, se tudo der de certo, vou ficar um mês ou dois. Tenho contatos para futuramente fazer novos projetos.

Desenvolveu uma ligação a Portugal…

AT – Tenho cá grandes amigos e adoro trabalhar aqui. Gosto muito da qualidade de vida, das pessoas, da beleza do país, da cultura, da comida.

E da segurança…

AT – Obviamente. Para mim, que sou do Brasil, isso faz a diferença. Lá não consigo ficar relaxado num carro. Andar aqui à noite ouvindo phones é um privilégio. Para vocês, isso é normal, mas para mim é um prazer imenso.

Relativamente à composição das personagens, tira ideias dos livros que lê?

AT – Gosto de ler ficção, clássicos, portugueses, Eça de Queirós, Machado de Assis, mas também de Dostoiévski, Shakespeare, gosto muito de dramaturgia e, claro, isso aumenta o meu repertório. Mas isso acontece de forma menos racional, mais inconsciente. Alimenta-me de uma forma sensorial, emocional, ajuda-me a desenvolver os sentidos. Porque o trabalho do ator é de observação. E todos temos potencial para ser tudo. Basta as circunstância ajudarem.

O que é mais determinante para um projeto vencedor? O texto, a realização, a direção de atores? Por exemplo, a novela “Na Corda Bamba” tinha um ritmo diferente, viciante.

AT – Interessante ter percebido isso. A “Corda Bamba”, realmente, foi diferente. Principalmente a nível da realização. É uma novela mais cinematográfica, que se assemelha às séries, sem o melodrama da televisão. E é nesse sentido que está a caminhar a dramaturgia, não só no Brasil como no mundo. No entanto, mesmo com a força do streaming, que você pode assistir à hora que quiser, quantos episódios quiser, com uma qualidade magnífica, a novela ainda tem muita força.

O público das novelas acaba por se focar não só na história, mas também na qualidade dos atores e em seguir os que admira e ver as novas identidades que eles vão assumindo.

AT – Exatamente. E em relação ao que você perguntou antes, a novela não tem uma fórmula. Às vezes a gente acha que tem tudo. Tem uma grande história, os melhores atores, uma boa realização e é um fracasso. Mas, acredito que o principal fator seja a história.

Porque é um capítulo por dia, você pode ter os melhores atores, o melhor dos figurinos, que se a história não é boa não prende o público.

As novelas podem educar?

AT – Claro, nós, como artistas, temos esse dever, não só de educar mas de denunciar.  De fazer as pessoas enxergarem os seus preconceitos e, através das nossas personagens, refletirem sobre os seus ideais, o seu caráter, e isso é muito interessante.

Acho que esse é o dever do artista. A arte não deve ser só entretenimento, é também uma forma de mudar mentalidades. De acolher as minoria e os menos privilegiados. No Brasil, temos cada vez mais a tores negros e ‘trans’ a trabalhar. Mas há ainda um longo caminho a percorrer. ■

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