Tem sido uma das novidades decorrentes da pandemia que marcará gerações a nível mundial. O caminho da retoma na Europa passa por um profundo programa de reconversão das economias de forma a cumprir os apertados objetivos relacionados com a sustentabilidade ambiental e a descarbonização mundial até 2050, e a distribuição dos principais fundos comunitários terão em consideração esta variável. Contudo, a discussão dentro da indústria vai muito além dos objetivos ambientais.

Os investidores, sobretudo os de grande dimensão, têm vindo a ser muito mais exigentes no que diz respeito às práticas relacionadas com questões sociais – como as relacionadas com valores da humanidade e da comunidade –, e também com os riscos

Os fundos de investimento de grande dimensão estão a despertar para os princípios de investimento sustentável, não apenas pela questão ambiental, mas também da responsabilidade social e de governo das sociedades.

das empresas que apresentam menores inovações no campo das boas práticas corporativas e da transparência, isto é, no que diz respeito à governança.

Os chamados fundos de investimento sustentáveis (ESG, sigla inglesa para Environmental, Social and Governance), ou os títulos de dívida verde (green bonds) já levam algumas décadas de experiência, mas vários indícios dão conta de que o período pós-Covid pode espoletar uma transição acentuada de fluxos financeiros para estes produtos bonsai – símbolo de harmonia e equilíbrio, que requerem permanente atenção – podendo constituir um catalisador estrutural dos mercados das bolsas mundiais, e tornar-se a nova norma de aplicação das nossas poupanças.

A sustentabilidade no investimento é uma mudança estrutural na análise de projetos de investimento

Os processos de seleção de investimentos por parte dos grandes fundos internacionais tiveram sempre como suporte, quase exclusivo, os dados relacionados com evolução da atividade da empresa, assim como as estimativas futuras de crescimento dos lucros e da distribuição de dividendos.  Nas últimas décadas esta prática tem vindo a ser modificada no sentido de incorporar mais variáveis, com destaque para as que apontam às tendências de sustentabilidade e que deverão ganhar maior ímpeto na próxima década, à medida que uma maior consciencialização, incentivos públicos e regulação forem moldando o caminho para as próximas gerações, e também nos mercados financeiros.

O principal produto financeiro cotado em bolsa ou nos mercados financeiros são os chamados Fundos de Investimento com critérios ESG. A sigla é uma combinação dos três critérios que estão a reconfigurar a forma como se investe em projetos e empresas cotadas em bolsa:

  • análise de impacte ambiental (Environmental): engloba os riscos climáticos, a gestão da escassez de recursos (ex: água) e a incorporação de energia limpa (não fóssil) são as principais variáveis de criação de valor para os projetos;
  • análise de impacte social (Social): engloba o impacto relacionado com os valores de uma sociedade e com o ecossistema das organizações (diversidade de raça, género, inclusão de incapacitados, iniciativas em prol da defesa dos direitos humanos), da ligação da organização às comunidades locais onde se insere (cidadania corporativa ou filantropia);
  • análise da governança das empresas (Governance): avalia a gestão e controlo dos projetos de investimento e das sociedades empresariais, assim como das relações entre os diferentes atores dentro das mesmas de forma a garantir o melhor interesse para todos os detentores de interesses envolvidos (stakeholders). As principais variáveis englobam os principais critérios de boa conduta e da gestão do risco reputacional, da transparência e da prevenção da corrupção ou crime financeiro.

Estes três fatores de sustentabilidade são incorporados como fatores aditivos à tradicional análise económico-financeira que serve de base à decisão de investimento, sobretudo por parte dos grandes fundos de investimento, que cada vez mais têm vindo a adotar estas estratégias, que no final do dia são catalisadores de crescimento das empresas para médio e longo prazo – acima dos tradicionais cinco a dez anos de período explícito dos modelos convencionais de avaliação de fluxo de caixa.

As empresas que cumprem ESG tendem a entregar melhor retorno financeiro aos investidores

Na realidade, apesar de ainda haver uma certa falta de visibilidade mediática, existem várias evidências de que as empresas que dão prioridade às questões da sustentabilidade (ESG) conseguem obter um desempenho financeiro melhor num período de longo prazo, e que incluem uma gama variada de métricas importantes como o crescimento do volume de negócios, no retorno sobre o património líquido (ROE), ou na remuneração sobre o capital investido (ROIC), apresentando inclusivamente desempenhos operacionais acima da média do sector e principais comparáveis de mercado.

Esta conclusão tem sido avaliada por vários estudos produzidos por diversos analistas de mercado. Análises conduzidas e publicadas em formato white paper para o investimento responsável, como é exemplo o documento produzido pelo RBC Asset Management em 2016, ilustram as vantagens de investir tendo esta preocupação em mente e apontam uma conclusão clara: as empresas ou projetos de investimento que se encontram num quartil superior em termos de métricas, de acordo com os critérios ESG, oferecem maior retorno de caixa sobre o capital investido e esses retornos também tendem a ser sustentados por mais tempo – as empresas no primeiro quartil de critérios ESG no estudo considerado, em dez anos apresentaram um crescimento cerca de 40% mais rápido que a média do seu sector nesse mesmo período, e foram capazes de distribuir mais dividendos que os comparáveis da indústria.

Isto tem implicações relevantes também sobre o acesso a financiamento bancário ou no mercado, via emissão de obrigações corporativas. Afinal, as empresas que cumprem com critérios ESG tendem a apresentar melhores rácios de liquidez e retornos de fluxo de caixa sobre capital investido que as empresas comparáveis do sector que não o fazem, e conseguem obter estes resultados de forma consistente durante um período mais alargado de tempo. Significa isto que o risco de incumprimento de obrigações financeiras é tendencialmente menor.

As green bonds também são um dos principais produtos financeiros da sustentabilidade

Um outro produto financeiro que tem vindo a conquistar bastante interesse no campo dos investimentos com princípios de sustentabilidade são as emissões de títulos de dívida ou obrigações emitidas para a captação de recursos para projetos de sustentabilidade que visam a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, ou outros desenvolvimentos relacionados com sustentabilidade.

Estes são os títulos que no jargão original ficaram conhecidos como green bonds, e que na prática são instrumentos representativos de dívida que, à semelhança das obrigações clássicas, conferem ao seu titular um direito de crédito face à entidade que as emite. A particularidade deste tipo de obrigações, face às alternativas tradicionais, reside no facto de o capital subscrito pelos investidores dever ser aplicado a fins específicos.

Desta forma, compromete-se o emitente a utilizar os fundos obtidos em projetos ou ativos relacionados com o desenvolvimento sustentável e benefícios de natureza ambiental, especialmente na vertente da mitigação das alterações climáticas ou similares (ex: projetos de energia renovável, eficiência energética, prevenção e controlo da poluição, gestão de recursos naturais, promoção dos transportes com combustíveis não poluentes ou gestão dos recursos hídricos entre outras aplicações).

As obrigações de teor sustentável, contudo, enquanto produto financeiro, ainda não têm uma definição muito especifica no que diz respeito a enquadramento jurídico, e durante os últimos 10 anos foram surgindo diferentes conceções sobre os critérios a que deve obedecer a emissão destes títulos. Isto, obviamente, gerou desafios quanto à integração deste tipo de produtos e do mercado em que se inserem, e tornou-se complexo evitar situações em que instrumentos foram caracterizados como “verde”, mas cujo capital daí angariado não foi afeto a projetos que respeitassem a sustentabilidade ambiental.

No entanto, já em 2019, a União Europeia veio dar um importante passo neste capítulo, com a aprovação do Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de junho de 2020, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável (Regulamento Taxonomia), que veio estabelecer uma linguagem comum, clara e transparente, com o objetivo de identificar as atividades económicas que poderão ser consideradas sustentáveis.

Espera-se maior desenvolvimento neste campo, sobretudo num momento em que o Banco Central Europeu, através da governadora Christine Lagarde, tem vindo a colocar a tónica do seu discurso relativamente a futuros programas de compras de ativos da autoridade monetária na aposta em títulos que estejam associados a projetos com objetivos ambientais, abrindo a  porta para que as emissões de green bonds  sejam cada vez mais o novo padrão nas aquisições dos bancos centrais nas principais economias europeias. Num futuro próximo, as obrigações verdes poderão mesmo tornar-se o ativo de referência para cálculo da taxa de juro sem risco.

Catalisadores apontam a um mercado de dívida “verde” padrão na União Europeia

À semelhança dos fundos de investimento em empresas que cumprem critérios ESG, também aqui as elevadas dinâmicas na procura de emissões de dívida verde podem ser exponenciadas por catalisadores estruturais que estão associados à mudança de critérios não só nos grandes fundos institucionais, mas também pelos principais bancos centrais, e as relevantes metas e consequentes iniciativas de caráter climático e sustentabilidade.

Na Europa, o BCE deseja considerar as alterações climáticas como parte da sua revisão da política monetária. Isso pode levar a uma preferência por green bonds no seu programa de compra de títulos (Euro Green QE), o que encorajaria a manter os prémios de risco em níveis baixos e, adicionalmente, alimentaria o estímulo para a emissão adicional de títulos verdes em detrimento das emissões tradicionais. Acresce ao enorme pacote financeiro para investir numa série de iniciativas para a Europa conter o aquecimento global até 2050, e nas medidas do green deal promovido pela Comissão Europeia como forma de recuperar e transformar a economia do Velho Continente.

‘Bottoms up’: os mercados financeiros terão um papel transformador na transição verde

A transição sustentável também já se encontra em marcha nos mercados financeiros. O mundo está a mobilizar-se financeiramente para uma transformação estrutural da economia, e a União Europeia perfila-se na linha da frente para a economia da sustentabilidade verde.

Os fundos de investimento de grande dimensão estão a despertar para os princípios de investimento sustentável, não apenas pela questão ambiental, mas também da responsabilidade social e de governo das sociedades. A dimensão do mercado de investimento ESG deverá continuar a crescer significativamente, seja na vertente da capitalização (equity) ou através da titularização específica verde, ou green bonds – que têm potencial para ser o principal produto financeiro na Europa durante a próxima década, dada a agenda de transformação agregada na economia do euro.

Também Portugal estará enquadrado entre os países que mais pode capitalizar nesta agenda de transformação “verde”, e para financiar este esforço deve promover as reformas necessárias para poder mobilizar todos agentes económicos em torno do desenvolvimento do financiamento sustentável. É importante por isso encontrar formas de integrar os principais agentes económicos de forma a não desperdiçar a oportunidade. É também fulcral incorporar os mecanismos legais, regulatórios e de princípios que vierem a ser definidos a nível europeu para incentivar a transparência e a correta afetação dos capitais, que protejam a integridade dos princípios de investimento sustentável, assim como o virtuosismo verde e circular, próprio de uma nova era, a era da economia bonsai.