A declaração do estado de emergência decretada pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, agora renovado, deixa um amargo capítulo na história de Portugal. Resultante de uma inesperada situação, impensada nos piores cenários, o uso deste instrumento, pela primeira vez em democracia, demonstra bem a solidez do edifício constitucional.

Tratando-se de uma situação excecional, a ela têm correspondido de forma elevada, todos os órgãos de soberania, os partidos políticos de poder e oposição e, principalmente, a população, que tem aderido sem resistência a uma significativa mas compreensível restrição aos seus direitos, liberdades e garantias.

Este espírito de consensualidade ilustra um elevado sentido de comunidade, de nação e de Estado. Na abstenção de radicalismos, à esquerda e à direita, a gravidade da situação em Portugal e no mundo faz ressaltar o papel dos setores profissionais mais sacrificados neste momento, da saúde aos agentes da autoridade. A generosidade dos profissionais de saúde é conhecida e integra a génese da sua função. Em sacrifício, batem-se galhardamente para além das suas forças.

Mas importa assinalar igualmente o desempenho das forças de segurança e dos militares. Ambos compreenderam a relevância do seu papel nesta fase. Os militares enquanto setor essencial para assegurar a manutenção da integridade do território e o apoio e acompanhamento das situações complexas que exigem organização e disciplina. Quanto às forças de segurança – em particular, a PSP e GNR – têm assumido uma função determinante na concretização das medidas rígidas de confinamento e encerramento de atividades não essenciais.

Quando em regime excecional de restrição de direitos se poderiam recear excessos de autoridade ou algum autoritarismo, as forças de segurança dão um exemplo de cidadania, de espírito democrático e de assumido empenho numa função essencialmente pedagógica, no reconhecimento do momento difícil que vivemos, com um exemplo de civilidade em tempo de crise.

Há ainda quem tenha tentado criar alguma controvérsia com os números. São pueris as discussões sobre os números da doença. Em tempo de ameaça esta questão é irrisória, desagregadora e verdadeiramente menor. Agora é tempo de ação sem tibieza. Haverá oportunidade para a análise crítica. Mas agora contam as pessoas, individualmente.

O país dá um exemplo ao mundo, e principalmente à Europa. Profissionais, políticos, autoridades e população, aliados no desafio de ultrapassar um ataque imprevisto. Esta capacidade agregadora que o país já mostrou em múltiplos momentos da sua história, integra o caráter lusitano de luta solidária na adversidade. Aqui viraremos com brio a página deste novo capítulo.

E nesta dimensão demonstramos bem o conteúdo do espírito solidário. Bem necessário na construção do projeto europeu que outros parecem não entender. A insensibilidade de uns não coloca em causa o projeto comum europeu. A pequenez de alguns não merece sequer uma nota de pé de página nos compêndios de História. Esta faz-se de atos de bravura e não de meras palavras.

É no exemplo dos profissionais de saúde e das forças de segurança que nos revemos, demonstrando que a solidariedade ainda se inspira na capacidade de dar “novos mundos ao mundo”. O caráter, os princípios e valores que defendemos enquanto país sobrepõem-se à visão curta e limitada de outros, e mesmo que estejam no centro da Europa ficarão na periferia da História.