Já há muito que as vozes se elevavam dos sussurros para dizer: vai ser mulher. Menino ou menina importante seria que viesse por bem. O mundo não se compadece com questões deste “género”.
Do mais alto funcionário da Organização das Nações Unidas o que se espera é que atue com independência e imparcialidade para “moderar o mundo”. O maior diplomata mundial deve, por isso, ser um conciliador e o seu processo de nomeação tem obrigatoriamente de ser “limpo”. O facto de não haver uma descrição pormenorizada de como se processa esta seleção parece dificultar, porém, a “higiene burocrática” deste procedimento. Por ser o mais alto cargo diplomático do planeta as regras são, como se impõe, feitas a “olhómetro”.
À partida, “mais ou menos” todos os Estados Membros podem participar no processo de seleção (embora os candidatos não devam ser originários de um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança). As candidaturas devem “mais ou menos” ser feitas até um mês antes do fim do mandato atual. Como não há nenhum critério específico para a elegibilidade do cargo, o candidato deve “mais ou menos” ter um bom currículo. É “mais ou menos” expectável que o eleito se mantenha no cargo por dois mandatos. A nomeação deve “mais ou menos” ser feita através de uma lógica de rotação geográfica. Os candidatos passam “mais ou menos” pelas mesmas provas, embora se aceite que o futuro guardião do direito internacional apareça apenas para os últimos cinco minutos do exame.
Foi o que sucedeu com a candidata búlgara Kristalina Georgieva. Tal condutor de trânsito atrevido, que num golpe de desfaçatez ultrapassa uma longa fila de cívicos automobilistas, porque o traço descontínuo o permite e os quilómetros de espera dos outros não lhe pesam na consciência, também a límpida Kristalina se atirou tarde para a corrida à Secretaria Geral da ONU. Com falta de comparência a cinco momentos de avaliação informais, Kristalina surge agora ao lado de António Guterres – o candidato que se apresentou em fevereiro e que tem passado por todas as provas com distinção – com argumentos que dão peso ao seu impulso.
Agora sim, a indefinição ganha formas. Kristalina é mulher – primeira forma! Kristalina é de leste – segundo ponto, o geográfico! Kristalina fala russo – talvez consiga pedir desculpas a Putin pelas sanções a que o submeteu aquando do conflito com a Ucrânia! Kristalina é politicamente da grande família da direita europeia – ficam explicadas as ultrapassagens pela direita! Kristalina é apoiada por Merkel – e da última vez que a Alemanha tentou mandar no mundo as coisas correram mal! Kristalina foi até agora vice-presidente da Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker – e pediu uma licença sem vencimento deixando o dossiê do Orçamento a “Deus dará”!
Kristalina é bisneta de um revolucionário fundador da Bulgária – adivinham-se já as convulsões! Kristalina está a ser preparada por um lobista português, ex-secretário de Estado do governo de Durão Barroso – parece já vir com a escola toda! Kristalina criou um grupo de dança quando trabalhou no Banco Mundial – está pronta para dar baile! Kristalina entrou a abrir com uma crítica feia a Guterres – a que este respondeu, como nos apetece dizer sobre tudo isto: “no comments”.