A crise económica causada pela Covid-19 é uma oportunidade de ouro para o setor financeiro se redimir dos escândalos da última década e para demonstrar por que razão é importante a ponto de ter de ser resgatado pelos contribuintes, quando necessário. A banca está para a componente económica desta crise como os médicos estão para a epidemia. Dos bancos depende não a descoberta mas sim a aplicação da cura económica desta crise, sendo este o momento da verdade em que descobriremos se ainda há banqueiros em Portugal.

A situação é grave e urgente: com o país fechado em casa e a economia paralisada, a maioria das empresas portuguesas conseguirá sobreviver apenas algumas semanas. Quando o dinheiro em caixa acabar, vão deixar de pagar aos funcionários e fornecedores, gerando um perigosíssimo efeito dominó: sem liquidez não haverá salários, sem salários não haverá consumo e sem consumo não haverá economia que aguente, para mais quando o turismo e as exportações terão um ano muito fraco. Enquanto isso, aquelas empresas que por estes dias têm um pouco mais de liquidez vão adoptar uma postura cautelosa, gastando o mínimo possível, o que, sendo compreensível, agravará a situação do país.

Só existe uma forma de lidar com esta situação, que é o equivalente a um estado de guerra: injetar liquidez na economia, sem hesitações, de maneira a colocar dinheiro nas mãos das empresas e das famílias, da forma mais simples e rápida possível. Os bancos são quem está em melhor posição para fazer isto, pois chegam a toda a economia e criam dinheiro de forma instantânea de cada vez que concedem crédito. E se um simples descoberto numa conta à ordem pode salvar uma pequena empresa em dificuldades, algumas dezenas de milhar de descobertos podem ajudar a salvar uma economia inteira.

Num artigo publicado esta semana no “Financial Times”, o ex-presidente do BCE, Mário Draghi, diz isto e vai mais longe, defendendo que os bancos – que se financiam a taxas negativas – deveriam apoiar as empresas em dificuldades com empréstimos a custo zero, recebendo em troca garantias públicas sobre 100% desses créditos. Além disso, não teriam de cumprir requisitos adicionais relacionados com esses créditos, porque estariam a agir como meros instrumentos de uma política pública. O antigo homem forte do BCE, que muitos consideram ter salvo a moeda única, defende ainda que muitos desses créditos deveriam ser mais tarde perdoados, podendo os bancos ativar as garantias estatais para ser reembolsados. Esta solução seria positiva para toda a gente, incluindo os bancos e o Estado, pois manteria a economia a funcionar.

Em Portugal, as medidas até agora anunciadas pelo Governo, como o lay off simplificado e as moratórias nos créditos, vão no bom sentido, mas não é claro que o dinheiro chegue rapidamente a quem precisa para pagar as contas no fim do mês. É preciso ir mais longe nas linhas de crédito, facilitando a sua concessão e a sua eventual transformação em verbas a fundo perdido, como sugere Draghi. É preciso que o Estado garanta a 100% esses créditos às empresas em dificuldades, que os bancos não exijam garantias pessoais nem cobrem juros (o spread das linhas anunciadas rondará os 1,5%) e que os supervisores criem as condições regulatórias para que tudo isto seja possível sem fragilizar o setor financeiro. Haja coragem e visão para tal, por parte dos políticos, dos supervisores e dos banqueiros.