Enquanto ainda decorriam as intensas negociações entre os responsáveis europeus – incluindo o primeiro-ministro António Costa que a Bloomberg descreveu num artigo como “esparramado num sofá à espera que todos os líderes fossem reconvocados” – o senhor Frédéric Jambon falou ao “Financial Times”.

O nome provavelmente nada dirá a quem ler estas linhas, mas Jambon lidera a BNP Paribas Asset Management e, nessa qualidade, gere os destinos de 553 mil milhões de euros. Uma quantia equivalente a mais de dois terços dos 750 mil milhões do agora aprovado pacote de estímulos europeu.

De acordo com o CEO, a sua organização está a preparar-se para “a mãe de todas as recessões” dado que a recuperação em muitos países será no mínimo em U, senão mesmo em W. Mas não certamente em V. Logo, muito mais demorada.

Notícias recentes de avanços na experimentação de eventuais vacinas são positivas mas o seu calendário é ainda uma incógnita, sendo que a pandemia ainda progride nos EUA, na América do Sul e em partes da Ásia, e, até lá, os especialistas temem também o que possa acontecer a um mercado bolsista sobrevalorizado, de acordo com 71% dos inquiridos recentemente pelo Bank of America.

Mas a “bazuca” dos 750 mil milhões não chegará para fazer face a tudo isso? Para enfrentar esta “mãe de todas as recessões”? Para responder a isso, olhemos para o caso português e para o documento emitido pelo Governo, um powerpoint intitulado “Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e Plano de Recuperação Europeu”. Nesse documento, é possível observar que o total dos nossos 43,1 mil milhões para o período até 2027 é superior em apenas 12,7 mil milhões ao total dos valores entre 2014 e 2020.

O próprio documento evidencia isso mesmo ao comparar e mostrar, num dos seus slides, que a subida do total dos instrumentos de coesão é acompanhada por uma descida nas verbas da Política Agrícola Comum e das Pescas e Assuntos Marítimos, por exemplo. Ou seja, serão esses 12,7 mil milhões o valor que teremos efetivamente, para lidar não apenas com a crise agora, mas com os seus efeitos durante os próximos seis anos. Porém, ainda não são claras as exigências europeias para que o país tenha acesso a este “envelope” financeiro.

Como tal, há que gerir as verbas com escrupuloso critério e parcimónia, o que deverá gerar descontentamentos e insatisfação, como já sucede por exemplo com os hoteleiros algarvios que consideram insuficientes os 300 milhões adicionais na área da coesão prometidos pelo primeiro-ministro. Depois deles, outras vozes e outros setores irão clamar por mais verbas e mais apoios, tanto mais quanto se criar a perceção de que esta verba agora anunciada é um saco sem fundo onde tudo cabe.

Na verdade, e vendo bem, a aplicação do dinheiro não tem finalidades elásticas e continua desconhecida a dimensão das insolvências e do desemprego que se seguirão ao fim das moratórias e dos lay-offs. Se o senhor Jambon tiver razão e esta for a maior crise entre todas as crises, uma única bazuca pode tornar-se não tão diferente de uma fisga.

 

António Costa Silva | Mário Cruz/LUSA

O estratega escolhido pelo Governo não foi meigo na descrição da realidade ao apresentar o seu programa esta semana no CCB. Estimou em 12% a queda do PIB, alertou que as previsões económicas estão em queda, que esta crise é inédita e muito violenta e que as empresas podem vir a sofrer uma queda em “cascata”. O que aliás tenho vindo também a dizer. Quanto ao plano que, segundo Costa e Silva, evitará em grande parte esse descalabro, será ainda apresentado às instâncias europeias em outubro.

 

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