Sou dos que partilham que a decisão de gastar um euro localmente tem óbvias vantagens sobre a mesma decisão feita centralmente. E é um facto que consta do programa do Governo a descentralização administrativa para os municípios de certas competências do Estado central, na mira de uma melhoria da qualidade e eficiência dos serviços públicos, bem como, posteriormente, de assegurar mecanismos para democratizar a governação territorial, através dum processo de “regionalização” – que a Constituição permite – a referendar por volta de 2024.
E, nesse sentido, constitui um pressuposto da democratização da governação territorial a negociação já iniciada- com muitos altos e baixos, direi mesmo turbulências – da descentralização de competências para os municípios (designadamente nas áreas da educação, da saúde e da acção social entre cerca de outras 20 áreas), assim como a eleição “indirecta” (por um colégio eleitoral de autarcas) da direcção das várias CCDR existentes, assumidas desde logo como eventuais cúpulas do processo de uma futura regionalização.
Refira-se, a propósito, que as CCDR “são serviços desconcentrados da Administração Central dotados de autonomia financeira e administrativa, incumbidos de executar medidas para o desenvolvimento das respectivas regiões”, como a gestão dos fundos comunitários tem já indiciado…
Acontece que todo este processo começou a defrontar obstáculos e a situação de momento ainda não é, de todo, satisfatória. Pura e simplesmente porque cada vez mais sabe-se que face a propostas do Governo, um número significativo de municípios não têm estado disponíveis para aceitar a descentralização das referidas competências, pelo simples mas crucial facto de não considerarem sério e consistente o pacote financeiro (transferências do OGE) que tem que acompanhar a decisão de descentralizar. E referem mesmo que a qualidade dos serviços públicos – e, logo, a adesão popular a uma regionalização a prazo – poderia ficar em causa.
Daí ter-se assistido a rondas de negociações entre a ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Governo, obtendo-se após vários “incidentes” o fecho das negociações nas áreas-chave da educação e da saúde, iniciando-se depois um contra-relógio para a conclusão do processo na área da acção social até final do ano transacto.
A meu ver, a situação actual encontra-se pouco consolidada em matéria de tal descentralização de competências (quantos Municípios têm ficado de fora do acordo global?), pelo que torna-se menos exequível a realização do referendo à regionalização já em 2024 quando, ainda por cima, tem de ser debatido e explicitado com rigor o desenho do reforço das competências das “mais democráticas” CCDR no âmbito de uma administração desconcentrada, desde logo nelas integrando diversas entidades de administração regional que estão na dependência do Estado central. Tal não se afigura de concretização fácil, admitindo mesmo divergências efetivas nesta formatação que importa clarificar.
Mas, por isso mesmo, a proposta de modelo de regionalização a referendar deverá ser apresentada com probabilidades de forte consenso, consistência e evidenciando efectivos poderes autónomos de decisão, obedecendo por outro lado aos critérios da melhoria dos serviços públicos, da devida contenção de despesas e de não ser fonte sistemática de eventuais jogadas de contrapoder político, num país pequeno e caracterizado por uma união territorial como é o nosso.
Será tudo isto sustentável quando determinados autarcas se apelidam, “ironicamente”, de meros tarefeiros face às competências descentralizadas, reivindicando em nome do aprofundamento da municipalização bem mais ampla latitude de decisão política? Não será que estes mesmos autarcas, sem prejuízo dos inevitáveis acordos intercomunidades municipais, acabam por não ser adeptos de qualquer processo da regionalização?
E, por último, será oportuno todo um processo acelerado de regionalização, quando se nota à evidência a necessidade prioritária de reformas, mesmo conceptuais, no sentido de arrumar a casa centralmente para depois a regionalizar, não deixando persistir no Estado Central organismos que de alguma forma se sobrepõem aos serviços desconcentrados?
Dou um exemplo: a criação recente da Direcção Executiva do SNS, um novo organismo que correspondeu a uma necessidade do Estado central, o qual que terá necessariamente uma palavra decisiva em matéria de governação territorial desconcentrada na área da saúde. E os exemplos poderão ser replicados noutras áreas da governação central.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.