A blockchain nasceu da criptografia. É por isso que toda a interacção no seio do seu ecossistema passa pela utilização dos famosos token, traduzido na lei portuguesa por microficha. Há token para tudo, desde (i) o equivalente ao dinheiro (e.g., criptomoedas), (ii) à representação do direito fora do âmbito da lei, (e.g., os famosos NFT para assinaturas de obras de arte digitais), ou (iii) ao direito de propriedade de activos reais à medida que a lei os for abarcando (e.g., acções e obrigações na UE em 2023).

No que toca à utilização prática dos token, o mundo hoje divide-se entre o que está coberto pela lei e o que não está. Vamos aos factos.

Os token são identificados por chaves criptográficas que, apesar de ininteligíveis para o ser humano, são extremamente convenientes quando manipuladas com QR Code. Porém, se as transacções assim despoletadas identificarem os seus elementos exclusivamente com recurso essas chaves criptográficas, tudo se passará num regime de anonimato.

Ora, na nossa democracia, há muitas transacções aceites nesse regime, mas todas as que têm impacto económico significativo requerem a identificação jurídica dos seus elementos (e.g., pessoas, bens, e direitos associados). Felizmente, o anonimato na blockchain, apesar de possível e desejado por muitos, não é uma fatalidade, pois há várias formas de adicionar essa informação aos token.

A abordagem mais utilizada actualmente na generalidade dos espaços geográficos para manter a privacidade dos detentores dos token, sem se transformar em anonimato, passa por manter o registo (ou custódia) da informação sobre os proprietários de direito de cada token (em inglês, Know Your Costumer). Além disso, também se registam todas as transacções, cumprindo assim as leis que regulam o combate ao branqueamento de capitais (Anti Money Laundering).

Na verdade, a custódia de criptoactivos é em tudo semelhante ao que acontece hoje com todos os direitos digitalizados à guarda das entidades financeiras, daí ter sido invariavelmente esse o caminho escolhido até agora em todas as jurisdições. Não sendo a melhor estratégia para a tecnologia blockchain, pois corresponde a uma re-centralização dessa informação, é a que melhor garante a continuidade da infraestrutura tecnológica oferecida pelos actuais agentes económicos, e a que melhor se encaixa hoje na lei dos diferentes países independentemente do ordenamento jurídico em causa.

Portanto, o que permite encontrar hoje a linha entre o que está ao abrigo da lei e do que não está, passa pela análise da informação registada nos respectivos guardiões, como por exemplo banco ou uma Exchange devidamente licenciada. Aliás, a regulação só tem reconhecido as reservas de valor proporcionadas pelos investimentos não-regulados da #DeFi através da identificação dos seus detentores nos referidos guardiões.

Este raciocínio não se aplica apenas à #DeFi, mas a qualquer outro serviço na blockchain, e as perguntas a fazer neste momento para saber se os poderemos utilizar do lado da economia regulada são as seguintes: (i) está o criptoactivo a ser oferecido por um guardião reconhecido por lei?, (ii) os serviços oferecidos requerem licenciamento?, (iii) caso assim seja, estão devidamente licenciados? E assim tem de ser enquanto a lei não reconhecer o direito de propriedade na blockchain de outra forma.

Por exemplo, as entidades financeiras devidamente licenciadas, incumbentes ou não, vão poder oferecer mercados secundários de acções e obrigações tokenizados já a partir de Março de 2023; neste caso, a resposta às três perguntas é positiva. Já as entidades na #DeFi não vão poder oferecer estes dois tipos de produtos financeiros, uma vez que os direitos associados às acções e às obrigações carecem de licença em todos os espaços geográficos.

Porém, as mesmas entidades na #DeFi vão continuar a oferecer os seus serviços no contexto das DAO (i.e., as conhecidas organizações anónimas distribuídas), uma vez que estas não estão abrangidas pela regulação, — é, aliás, por isso que, na nossa jurisdição, as DAO não podem ser proprietárias de activos da economia incumbente.

O futuro é promissor. A tokenização da identidade digital com valor jurídico na União Europeia (UE), actualmente em desenvolvimento, vai permitir a identificação jurídica de pessoas, bens e direitos nas wallet certificadas. Além disso, espera-se que todos os produtos financeiros possam um dia vir a ser tokenizados, tal como referido inequivocamente nos regulamentos MiCA e Pilot DLT da UE. Sabendo da extrema conveniência proporcionada pela tokenização das transacções para todos os intervenientes, está na altura de todos nos prepararmos para aproveitar as inúmeras oportunidades que aí vêm.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.