Marcelo Rebelo de Sousa por vezes tem razão. No seu papel de ‘pai’ do Governo na gestão da pandemia esteve bem ao admoestar o ‘filho’ por este ter prometido uma final da Liga dos Campeões em bolha e ter trazido para casa outro resultado, que ultrapassou os limites inicialmente estabelecidos.

O Presidente da República não tem sido ele próprio exatamente isento de contradições em relação ao comportamento durante a pandemia, não esquecendo que queria fazer três jantares de Natal, e quando foi recentemente à Guiné-Bissau, tendo sido recebido por uma multidão, em apoteose, como gosta.

Ainda assim, do quarteto de políticos envolvidos na troca de palavras sobre o assunto, foi o que teve a melhor atitude.

António Costa acabou por admitir que a organização daquele evento tem de servir de lição e não de exemplo, mas as explicações não foram convincentes. Dizer que 80% dos adeptos vieram em bolha e culpar as alterações da situação nas fronteiras entre a altura do acordo e a altura do evento, parece mais, para usar uma expressão inglesa, um caso de “the dog ate my homework”.

O presidente da Câmara Municipal do Porto esteve ainda pior. Disse que compreende o sentimento de repúdio que algumas pessoas sentem, mas depois disparou para todos os lados, afirmando que não tinha possibilidade de dizer que não e criticando o Presidente, o Governo, as regras da DGS e Rui Rio. Pior ainda, perguntou de forma cínica se queremos ou não que venham turistas.

Claro que queremos, mas não necessariamente em multidões, maiores do que o acordado e muito difíceis de controlar.

No dia da final Rui Rio afirmara que estávamos “a exportar um jogo onde os estrangeiros podem estar e ainda por cima a armar desacato e depois dizer: isto não vai ser como foi a festa do Sporting em Lisboa e ainda está quase a ser pior”.

Foi frontal, com picardia q.b. e ainda afirmou que o evento não ajudou à compreensão das pessoas daquilo que estamos a fazer em termos de sacrifício. Talvez seja mais fácil falar sem responsabilidades diretas, mas o líder do PSD acertou na mouche. Não sabemos se a final da Champions no Porto teve impacto negativo na situação pandémica, mas é uma questão de princípio, de não ter dualidade de critérios numa altura tão exigente.

Por efeito desses eventos ou não, ou talvez devido ao desconfinamento em geral, a taxa de infeção aumentou e Portugal foi novamente expulso da lista ‘verde’ do Reino Unido e despromovido para a versão ‘âmbar’. Para daltónicos, como eu, é um bocado difícil compreender as categorias, mas neste caso a consequência não podia ser mais clara – é uma péssima notícia, para mais quando o sector do turismo está a tentar recuperar após meses de dificuldades.

Por falar em dificuldades, a decisão de Boris Johnson irá certamente afetar também a TAP, que já tem problemas que chegue. A decisão do Tribunal Europeu de anular a decisão da Comissão Europeia, que deu ‘luz verde’ para o Estado português emprestar 1.200 milhões de euros à companhia, foi um duro golpe e mantém-se como uma nuvem escura numa altura crucial do processo de aprovação do plano de reestruturação.

Na mesma semana em que a empresa anunciou um prejuízo de 365,1 milhões de euros no primeiro trimestre, descobrimos que há um novo nome apontado para liderar a TAP, aparentemente fruto de diligências do Governo e não da empresa de headhunting contratada para o efeito.

Esperemos que a hipótese não caia novamente, como aconteceu com o anterior executivo que esteve na calha para gerir a companhia aérea nacional durante um período que será certamente de turbulência. De incertezas já estão os hangares da TAP cheios, não precisa de mais.