A julgar pelo que se tem passado nas últimas semanas, prevejo que a campanha eleitoral que se aproxima corre o risco de ser a menos interessante e mais pobre de ideias dos últimos anos.

Vamos certamente continuar a assistir à discussão sobre a temática da empresa do primeiro-ministro e, por arrasto, das participações de governantes e deputados em empresas imobiliárias ou de outra natureza, e se essas participações constituem um conflito de interesses ou apenas indiciam um risco de criação de conflitos desse tipo. E de inúmeros cenários que se vão desenvolver a partir deste, centrados nas pessoas do primeiro-ministro e de outros responsáveis políticos e do seu património.

Esta discussão apresenta, deste logo, duas ordens de problemas. Por um lado, é levada ao exagero da criação de cenários especulativos descritos de forma a criarem uma aparência de irregularidade, anulando a presunção legal da inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória; e, por outro, subalterniza a discussão sobre outros temas, esses sim relevantes para as opções que seremos chamados a tomar sobre o futuro do País

Não nego que é importante que os governantes demonstrem que os seus comportamentos estão de acordo com as regras a que estão vinculados. Mas contesto que seja possível presumir que qualquer situação que não esteja esclarecida deva ser tida como demonstrando irregularidade. O que se pode é pedir que essas situações sejam esclarecidas para que não restem dúvidas. Mas é tremendamente injusto que a dúvida seja alegada como fundamento para que se exijam consequências que não sejam o esclarecimento.

A dúvida não indicia nada, apenas deve ser esclarecida. Por isso, não concordo que um responsável político sobre quem seja levantada uma dúvida, ou mesmo a constituição como arguido, possa ser imediatamente conduzido a demitir-se ou limitado na sua capacidade de prosseguir uma actividade política, actual ou futura. Pode, se o entender, fazê-lo, para melhor se defender; mas terá sempre de ser uma decisão sua, exercida em plena liberdade.

Fico à espera que me venham acenar com a história da mulher de César, de quem se dizia que para além de ser séria, deveria parecer sê-lo. Não creio que esta discussão seja adequada a essa citação, porque me parece que não estamos perante meras aparências. Na realidade, estamos confrontados com verdadeiras insinuações intencionais, cuidadosamente formuladas para não o parecerem – porque quem insinua também tem de aparentar ser sério e isento. Nenhuma mulher de nenhum César resistiria este tipo de marketing político.

E, entretanto, os verdadeiros problemas do país vão ficando esquecidos. Voltará a não se falar de verdadeiras soluções para os problemas da paz e da defesa, da habitação, da saúde, da educação, da segurança, da correcção de desigualdades na distribuição da riqueza, e de vários outros temas que muito provavelmente apenas serão mencionados através de slogans ou soundbites.

Iremos assistir à exibição de números e estatísticas sobre o comportamento da economia, em que se tentarão passar mensagens contraditórias, dependendo de quem as tenta passar. Mas não nos será esclarecido como é que as estatísticas oficiais podem ser confiáveis quando, ao mesmo tempo, se admite que uma parte substancial da economia, que pode ser da ordem dos 35% do PIB, não é declarada.

Afinal, não parece difícil perceber porque é que ninguém queria estas eleições.