Não me parecia provável que as eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores viessem a ocupar grande espaço noticioso ou levantassem acaloradas discussões.

As preocupações por cá eram outras. A aprovação do Orçamento do Estado para 2021 gerava grandes expectativas e era também com expectativa – e até apreensão – que se seguiam e antecipavam os resultados de outras eleições, as que iriam decorrer nos Estados Unidos, cuja votação já havia começado por correspondência. E a pandemia mantinha-se como pano de fundo: os números, as recomendações, os desacertos.

É verdade que dias antes, conversando com pessoas vindas de S. Miguel (mantendo o exigido distanciamento social), estas haviam manifestado o seu desagrado pelo “estado das coisas” e a necessidade de usar o voto para dar um “abanão” ao governo.

Mas, das eleições açorianas, o nível de abstenção era o que me suscitava maior curiosidade. Campeão da modalidade, em 2016, o arquipélago tinha atingido os 59,2% nas eleições regionais e 69,1% para as presidenciais.

O desinteresse dos açorianos por quem (n)os governa é chocante. De tal modo que a Assembleia Legislativa Regional dos Açores procurou apurar as causas do fenómeno; o estudo encomendado ao Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade dos Açores com esse propósito concluiu, como nos dá conta no relatório publicado em Abril de 2019, que para os inquiridos a responsabilidade recaía, sobretudo, nos governantes, nos partidos e nos deputados, com valores médios de 88,8%, 86,5% e 88,2, respectivamente.

Vasco Cordeiro, Presidente do Governo Regional, consciente do problema, em Setembro de 2020, relembrava que “a forma como os Açorianos têm, desde logo, para dar força à nossa Autonomia é através do seu voto”. A Autonomia é um tema prezado pelos açorianos. Resvalando pontualmente para o independentismo, a luta pela livre administração dos Açores pelos açorianos, data do início da década de 90 do século XIX.

Os resultados eleitorais de 25 de Outubro fizeram o Partido Socialista perder a maioria absoluta na região. E mostraram que, seguindo a mesma receita por ele prescrita a nível nacional, em 2015, se se criasse uma espécie de caranguejola – a versão insular da geringonça -, poderiam ter ganhado e não ser Governo. Mas para isso tornava-se indispensável o apoio à coligação PSD/CDS/PPM da Iniciativa Liberal (IL) e do Chega, com um e dois deputados eleitos, respectivamente.

O “abanão” passou a “terramoto” e a política açoriana centralizou as atenções.

Sem estar em causa a legitimidade do Chega, o partido assenta em determinados valores nos quais, a meu ver, não se reconhece quem respeita a liberdade, as minorias, uma certa forma de estar e um dado tipo de discurso.

Se era por protesto porque não um voto no PAN, que defende os animais e a natureza, imagem de marca dos Açores? Ou o reforço do voto na IL? Faria mais sentido na minha opinião, dado o envolvimento dos açorianos na defesa do liberalismo e na participação das lutas liberais (motivo de inspiração do brasão da Região Autónoma). Num meio pequeno, em que melhor se (re)conhece a circulação das pessoas, será que o Chega, populista e demagogo, talvez tenha apontado aos pontos sensíveis?

“Saiba eu com que te ocupas e saberei também no que te poderás tornar” é a continuação e a parte menos citada do “diz-me com quem andas…”, pensamento de Goethe de que o povo se apossou e que me parece bastante adequado à situação. Por um lado, o dirigente do PSD esforça-se (em vão) por se demarcar de quem se alia; de se afastar de um partido populista, ele que se reclama do centro e comedido; e, por isso, Rui Rio só negoceia com o Chega se este se moderar (que é parecido com pôr uma raposa no galinheiro se ela jurar que é vegan).

O líder do Chega, por sua vez, a 19 de Setembro, esbracejava garantindo que “coligações nem vê-las”, mas, para fazer parte do sistema que ele repudia, não se furta a um “entendimento” com o PSD, como ele próprio anunciou a 10 de Novembro.

Não querem saber um do outro, mas prometem entender-se se o Chega se moderar e o PSD se radicalizar. Ambos apostam em modificar o outro num casamento de conveniência em que coabitam, mas não são família. Quando se ocupam de política, as pessoas tornam-se… “versáteis”.

Como diria a minha avó, “o Senhor Santo Cristo nos valha”.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.