À medida que se vão aproximando as próximas eleições para o Parlamento Europeu, é normal que os diferentes Estados-membros da União Europeia comecem a afinar as suas estratégias e a posicionar-se para os jogos de repartição de poder no universo da União que, inevitavelmente, se lhes seguirão.

As eleições para a Assembleia de Es­trasburgo são, atualmente, o barómetro e o mais importante elemento de referência para essa mesma repartição de poder. Desde logo por permitirem definir a composição política, partidária e nacional dos diferentes grupos políticos que se vão formar no Par­lamento Europeu; depois, por ser a partir dessa composição que irá emergir o próximo Presidente da Comissão Europeia e a formação do próximo colégio de comissá­rios.

Por notícias conhecidas nos tempos mais recentes, a Sra. Merkel já começou a posicio­nar-se e a demarcar o seu terreno nesta matéria. Sem perder tempo e para não (voltar a) ser ultrapassada. Soube-se, assim, que para a próxima legislatura europeia é priori­dade de Berlim escolher o próximo Presidente da Comissão Europeia – facto raro, que não acontece há mais de 50 anos, desde os primórdios do projeto europeu. A benefício desse objetivo, o governo federal estará, mesmo, na disposição de abdicar do Presidente do Banco Central Europeu.

De facto, há cerca de 15 anos – desde que Durão Barroso assumiu a presidência da Co­missão Europeia – que nenhum dos Estados grandes da União lidera o executivo comu­nitário. Por outro lado, encontrando-se praticamente afastada a hipótese de recondu­ção de Jean-Claude Juncker para um segundo mandato (a célebre “ciática” não per­doa…), a vacatura na liderança da Comissão irá obrigar a reorganizar a hierarquia dos poderes no universo comunitário. E com ela a profunda transformação na própria hie­rarquia dos Estados-membros no quadro comunitário.

Este súbito interesse de Merkel e do governo alemão pela presidência da Comissão Eu­ropeia não deixa de ser relevante e de ter inevitáveis leituras políticas. Por razões de equilíbrio entre os diferentes Estados-membros, a presidência da Comissão Europeia tem sido entregue nos últimos tempos a nacionais de Estados pequenos e médios.

Os habituais grandes (Alemanha, França, Reino Unido, Itália e, mais recentemente, Polónia e Espanha) têm prescindido dessa liderança, optando por centrar os seus interesses na tutela das principais pastas ou sectores da Comissão – com especial ênfase para a crucial pasta da concorrência. Desta feita, a Alemanha dá mostras de inverter essa estratégia e jogar as suas cartas na presidência da própria Comissão Europeia.

A questão que, le­gitimamente, se poderá colocar é a de saber o que terá mudado para, agora, Berlim se empenhar em conseguir o que até aqui não tem querido. Cremos que, antes de tudo e em primeiro lugar, a resposta a essa dúvida primeira se encontrará em Paris, no Palácio do Eliseu, e tem um nome: Emmanuel Macron.

É conhecida a tendência do presidente francês para se envolver nas questões europeias e o seu empenho em dar às mesmas um impulso significativo – relançando sobre novas bases o projeto comunitário, com particular atenção para as questões atinentes à con­clusão da união económica e monetária, nas vertentes em que esta ainda tem de ser concluída (sobretudo no domínio da união bancária).

É conhecido que nestes domínios Macron tem avançado com propostas e sugestões ousadas, nomeadamente a da criação de um ministro das Finanças europeu e a do significativo reforço do orçamento comum europeu. Merkel tem, sistematicamente, anuído às grandes declarações gerais proferi­das por Macron. Todavia, não raro, quando desce ao pormenor e ao detalhe, tem-se pautado por desconstruir as principais propostas apresentadas pelo Presidente francês.

Ora, nos tempos que se avizinham, com as dificuldades que se antecipam e um Brexit para concluir, é de supor que Berlim já terá concluído onde se irá jogar o verdadeiro futuro do projeto europeu e da própria União Europeia – inequivocamente, na Comissão Europeia. Mais do que no Parlamento Europeu. Mais do que no Conselho Europeu. Mais do que no Banco Central Europeu.

Jogando-se o futuro da União em sede de Comissão Europeia, é aí que Merkel quer estar presente para exercer um poder político direta­mente proporcional ao seu poder económico. O que significa que, a curto prazo, pode­remos estar a encaminhar-nos para a célebre “Europa alemã”, mais do que para o re­forço do europeísmo germânico. O estado de fragmentação em que a Europa da União se encontra, que parece não parar de se desenvolver, pode ajudar a que esta germani­zação europeia se venha a intensificar.

Não são, propriamente, notícias ou perspetivas animadoras. Porque se hoje, com Angela Merkel, a prática política é uma e conhecida nos seus contornos gerais, não podemos ignorar que o tempo político da chanceler tam­bém se aproxima aceleradamente do seu fim. E o futuro, em termos de liderança política alemã, é uma incógnita que permanece em aberto.

A forma como a mesma evoluir irá determinar não só o rumo político da Alemanha mas, também, talvez mais do que nunca, o rumo político da própria União Europeia.