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A CESE e o regime constitucional das contribuições financeiras a favor de entidades públicas

O TC bastou-se com a análise genérica dos benefícios que presumivelmente decorrem da actuação do FSEE a favor dos sujeitos passivos, não aferindo em concreto o necessário equilíbrio entre a CESE e a contraprestação pública que aquela financia.
10 Maio 2019, 07h10

O Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se recentemente sobre a compatibilidade da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”) com o regime constitucional das taxas e contribuições financeiras.

Seguindo a metodologia habitualmente adoptada para apreciar este tipo de casos, o Tribunal começou por analisar a natureza jurídica da CESE e, subsequentemente, a respectiva compatibilidade com os princípios constitucionais da equivalência e da proporcionalidade.

No que respeita à natureza jurídica da CESE, o Tribunal concluiu que este tributo deve ser qualificado como uma contribuição financeira (e não como imposto ou taxa). Esta qualificação resulta, por um lado, do facto de a receita da CESE visar o financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade do sector energético, através do Fundo para a Sustentabilidade Sistemática do Sector Energético (“FSSEE”).

Por outro lado, o Tribunal fundamenta a sua posição afirmando que a CESE incide especificamente sobre as entidades que integram o sector energético nacional nos ramos da electricidade, gás natural e petróleo, sendo possível presumir que estas entidades beneficiam da implementação das referidas políticas. Ou seja, no entender do Tribunal, a CESE é uma contribuição financeira bilateral e comutativa, uma vez que visa financiar actuações públicas dirigidas a um grupo homogéneo de sujeitos passivos.

Uma vez assente a natureza jurídica da CESE, o Tribunal aferiu a compatibilidade deste tributo com os princípios da equivalência e da proporcionalidade.

Neste contexto, e por referência ao princípio da equivalência, o Tribunal afirmou desde logo que a CESE encontra justificação nos benefícios obtidos pelos respectivos sujeitos passivos enquanto grupo homogéneo e nos custos públicos que estes presumivelmente geram com a sua actividade, estando como tal assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação deste grupo de entidades para fins tributários e o respeito pelo princípio da equivalência.

Relativamente à compatibilidade da CESE com o princípio da proporcionalidade, o Tribunal afirmou que tal análise se traduz no controlo do equilíbrio entre a prestação tributária e as contraprestações públicas financiadas por esta via.

Avançando, desde logo, não ser possível ao poder judicial analisar em concreto o grau de concretização das tarefas que justificaram a criação da CESE e que o juízo de proporcionalidade não implica a existência de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis subjacentes a este tributo, o Tribunal conclui que a CESE é compatível com o princípio constitucional da proporcionalidade.

Para fundamentar este juízo, o Tribunal afirmou, por um lado, que os sujeitos passivos da taxa são entidades que presumivelmente beneficiam de actuações públicas financiadas através da CESE e, por outro lado, que o critério adoptado para definir o montante deste tributo não é manifestamente injusto.

Neste contexto, o TC teve mais uma vez a oportunidade de densificar e harmonizar as regras e princípios que devem nortear a criação das contribuições financeiras a favor de entidades públicas, substituindo-se (materialmente) ao legislador na tarefa, constitucionalmente imposta desde a revisão constitucional de 1997, de aprovar um regime geral de tais contribuições financeiras.

No entanto, o Tribunal bastou-se com a análise genérica dos benefícios que presumivelmente decorrem da actuação do FSEE a favor dos sujeitos passivos, não aferindo em concreto o necessário equilíbrio entre a CESE e a contraprestação pública que aquela financia.

Não ponderando as consequências concretas das escolhas do legislador em matéria de contribuições financeiras, tal abordagem poderá abrir espaço para que estes tributos sejam criados a favor de entidades públicas, sem, no entanto, financiarem efectiva e mensuravelmente tarefas de prossecução de interesse público, que legitimam a sua existência no sistema fiscal.

Em todo o caso, o Tribunal não deixa de salientar que a criação deste tipo de tributos pressupõe a existência de um grupo homogéneo de contribuintes que, face à sua actividade económica, beneficia de acções de regulação cujos custos são por si gerados e devem ser por si suportados. A homogeneidade do grupo de sujeitos passivos e a existência, ainda que presumida, de benefícios para esse grupo em consequência de uma intervenção pública, são assim realçados como pressupostos basilares da compatibilidade destes tributos com os princípios da equivalência e da proporcionalidade.

Em suma, o TC parece preterir a análise concreta do equilíbrio entre prestação tributária e a respectiva contraprestação pública, favorecendo, ao invés, (i) a análise dos critérios que presidem à definição do grupo de sujeitos passivos responsáveis pelo pagamento de tributos desta natureza e (ii) a análise genérica da relação entre a actividade económica destes contribuintes e as atribuições da entidade pública que beneficia das receitas destes tributos.

Tendo presente esta orientação, e na ausência de um verdadeiro regime geral das contribuições financeiras a favor de entidades públicas que, em concretização da revisão constitucional de 1997, estabeleça legislativamente os critérios para a criação de tais contribuições, quando confrontados com este tipo de tributos, os contribuintes devem aferir se, face às características da sua actividade económica e às atribuições da entidade financiada através de tais contribuições, estão a ser legitimamente chamados a financiar os custos dessa actuação pública. O Acórdão do TC é datado de 8 de Janeiro de 2019.

Os autores escrevem de acordo com a antiga ortografia.

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