1.Uma revisitação breve da história do domínio económico do Mundo pode trazer-nos informação surpreendente e, ao mesmo tempo, inesperada para muitos de nós: desde o ano um até hoje, o Ocidente apenas dominou o Mundo por um período muito curto de tempo, cerca de 200 anos.

“Entre o ano 1 e o ano de 1820, as duas maiores economias tinham sido sempre as da China e da Índia. Só a partir de então é que a Europa começou a tomar a dianteira, seguida pelos Estados Unidos da América”.[1]

Estima-se que, no ano 1, as economias da China e da Índia representavam cerca de 60% do PIB Mundial, perdendo importância económica muito lentamente ao longo dos 1800 anos que se seguiram, para acusarem depois de 1820 uma queda abrupta.

2. Pouco mais de século e meio depois, o Resto do Mundo, no qual estas duas economias se inserem, inicia uma disputa com o Ocidente por uma nova reconfiguração da economia mundial – contribuindo, assim, para que a riqueza criada a nível global tenha, hoje, uma melhor distribuição entre os povos.

Tomando como ponto de partida para esta nova fase o ano de 1980 em que as economias da China e da Índia participavam no PIB mundial cada uma com cerca de 2% – este ano pode ser tido como uma boa base de referência, pois em 1978 a China lançou as suas grandes reformas económicas, que se traduziram num crescimento muito vigoroso, com taxas acima dos 10% média/ano, arrastando consigo para bom plano também, muitas das economias asiáticas para quem hoje a China continua o seu principal mercado externo.

Nesta dinâmica, em 2018, a China alcançou 18,2% do PIB mundial, segundo o Banco Mundial, à frente, por conseguinte, dos EUA com 15%, enquanto a Índia atingia 7,7%.

Para uma ideia mais objectiva do panorama da importância das economias dos dez maiores países, segundo a sua participação no PIB Mundial que, no todo, representam 60,6% do total, temos:

O Japão, quarta economia mundial, com 4%.
A Alemanha 3,3%.
A Rússia 2,9%.
A Indonésia 2,6%.
O Brasil 2,5%.
Reino Unido e França 2,2% cada um.
Estes dez países têm, contudo, uma participação bem mais reduzida na população global do Mundo, apenas 53,3% e  graus de riqueza bastante díspares entre si.

Numa análise tipo “disparidade de desenvolvimento”, se fizermos equivaler o PIB per capita do Mundo a um índice 100, temos os EUA com um valor de 349 e a Índia no extremo oposto com 43, abaixo da Indonésia que assume o valor 74.

A própria China, em 2018, ainda não atingia o índice 100 (apenas 99). Repare-se em tamanha disparidade.

E, se tomarmos, um outro indicador do mesmo género agora com o PIB dos EUA=100, neste mesmo ano, temos a Alemanha com um valor de 86, Reino Unido e França 70 e, no ponto mais baixo, a Índia com 12. A China aparece aqui com um índice de 28. A fonte desta informação é o Banco Mundial.

Apesar deste diferencial de desenvolvimento entre países bem favorável ao Ocidente, não restam dúvidas de que se encontra em perda evidente no domínio da economia mas também no das tecnologias sobretudo face à China.

Neste contexto, faz sentido nos questionarmos como faz Mahbubani, já citado, sobre se a queda do ocidente é ou não uma provocação ou uma realidade em marcha! E, se o Ocidente está a assumir esta realidade conscientemente, pois esta seria a melhor forma de encontrar a solução para tamanha questão.

3. Nestes últimos 200 anos quase tudo se transformou. Houve as várias revoluções industriais, com os avanços tecnológicos que daí advieram com impactos de ruptura na organização e funcionamento da economia, as potencialidades de gerar riqueza aumentaram exponencialmente e, de tal forma, que o bolo final da riqueza, medida através do PIB, embora sofrendo várias mudanças na distribuição, foi sempre crescendo. Houve as várias guerras, o surgimento de múltiplas nações com a descolonização, um sem fim de mudanças, sempre com avanços e, desta forma, com melhorias significativas para a sociedade mundial em geral. Se olhamos para o campo da saúde, esses avanços são tão visíveis … o Mundo é outro.

As economias tornaram-se, contudo, muito mais interdependentes, a concorrência agudizou-se, aconteceu e continua a acontecer uma maior “desmaterialização” da economia, os fluxos de comércio alteraram as suas rotas, assumindo o Pacífico com a China como plataforma base um papel de relevo. Os novos circuitos de fluxos de comércio vieram secundarizar as relações Ocidente/Ocidente (Atlântico).

Neste contexto, desencadeia-se o coronavírus que veio relevar ainda mais o papel central da China pela negativa e pela positiva. Acabo de ler que um grupo de cientistas chineses descobriu a porta de entrada do coronavírus nas células humanas. Leigo na matéria, mas o bom senso leva-me a admitir que é algo muito promissor.

4. Na economia, o coronavírus veio pôr a nu ainda mais o papel crucial da China na economia mundial. Antes do “vírus”, a economia mundial atravessava uma fase crítica com pouca margem para acomodar acontecimentos desfavoráveis. Terminou o ano de 2019 com um crescimento de apenas 2,9%, o ritmo mais baixo e lento desde a crise de 2009.

A combinação de medidas tomadas na província de Hubei (foco de irradiação do coronavírus), no ataque ao coronavírus, as restrições severas de deslocações da população chinesa entre províncias/cidades e com o estrangeiro levaram a economia chinesa para um patamar produtivo muito fraco e as perturbações na oferta de bens chineses como principal exportador mundial começaram a ter efeito nas cadeias de abastecimento a nível mundial, de imediato nos países asiáticos (também em termos de procura), estendendo-se de seguida a todas as economias importantes do mundo, em que a Europa e os Estados Unidos foram/são também afectados. É evidente que uns sectores são desde logo mais atingidos que outros, sendo o automóvel e a electrónica em termos de fornecimento dos mais atingidos.

Segundo estudos recentes, as cadeias de abastecimento contribuem para cerca de 80% do crescimento do comércio mundial. Ora, desempenhando a China um papel crucial nessas mesmas cadeias de abastecimento torna-se o grande motor da economia no seu todo.

Ora com o coronavírus o motor quase ia gripando e muitos sectores económicos começaram a ceder.

Quando no último artigo de opinião se falou do romance americano por causa do 5G e da Huawei, um pouco no sentido do romance do medo americano face aos avanços de 2 a 3 anos da China nas tecnologias, o Coronavírus veio demonstrar que, afinal, já antes do 5G o Ocidente está conectado intrinsecamente com o motor principal actual da economia mundial.

Daí que o modelo ocidental de domínio não venha a ter sucesso no Futuro e então porque não partir para um novo modelo, o de partilha e cooperação?

De certeza, esta será a via do sucesso. Partilha não é cedência. Partilha é uma escolha de jogo no mesmo tabuleiro com regras bem definidas e cooperação como pano de fundo.

[1] Kishore Mahbubani, a queda do ocidente? uma provocação, Bertrand Editora, 1ª edição: junho de 2018