Durante os anos de chumbo da grande crise 2008-2013, foram inúmeras as cimeiras do Conselho Europeu e da zona euro que nos foram apresentadas como verdadeiramente decisivas e determinantes para o futuro tanto da União Europeia quanto da própria zona euro e da subsistência da moeda comum europeia.

O número destas cimeiras assim en­caradas e como tal perspetivadas foi, verdadeiramente, incontável. Hoje, olhando para trás, já com algum distanciamento que só o tempo histórico nos permite e nos faculta, ressaltam evidentes duas conclusões.

Em primeiro lugar, de quase nenhuma das cimei­ras encaradas e qualificadas como decisivas saíram resultados à altura das expetativas criadas e, nessa medida, pode afirmar-se que verdadeiramente nenhuma delas foi deci­siva nem para a UE e sua subsistência, nem para a manutenção da zona euro e da sua moeda comum.

Em segundo lugar, e como decorrência daquela primeira conclusão, a UE (e a sua zona euro) souberam (ou puderam) resistir e so­breviver apesar de os seus principais líderes não terem sabido entender-se nos referidos encontros de alto nível protagonizados pelos seus máximos dirigentes.

Vem isto a propósito de, no final da última semana, se ter reunido em Bruxelas mais um Conselho Europeu antecipadamente apresentado como verdadeiramente decisivo para o futuro da europa da União, sobretudo em matéria de definição de uma política comum relativa aos migrantes e às migrações que continuam a demandar solo europeu e que, gradualmente, vão contando com crescente oposição de maior número de go­vernos eu­ropeus, desta feita com os governos de Itália e Malta a assumirem as despesas do em­bargo, assim se juntando a outros (nomeadamente os do Grupo de Visegrado) que já tinham idêntica posição há mais tempo.

Pois bem, pese embora o caráter de­cisivo atribuído à cimeira da passada semana, o certo é que, a essa luz, a mesma consti­tuiu um absoluto e completo fracasso, com os ainda 28 incapazes de consensualizarem um mí­nimo de princípios comuns que permita ser a base de uma qualquer eventual po­lítica comum no domínio das migrações.

Decerto o jargão comunitário, sempre inova­dor no plano dialético, impediu que esse fracasso fosse assumido publicamente. Alguma comu­nicação social “pegou” na possibilidade de virem a ser criadas plataformas de desem­barque de migrantes fora da União e a criação “voluntária” de centros de identificação de refugiados na Europa. Ora, como o próprio primeiro-ministro português já teve opor­tunidade de vir esclarecer, não houve decisão nenhuma tomada nesse sentido. Houve, sim, a concessão de um mandato à Comissão Europeia para que a mesma explore essa possibilidade. O que é algo substancialmente diferente.

Mas as informações que chegaram de dentro da própria cimeira foram mais preocupan­tes e mais perturbadoras. Compulsando-se tudo o que tem sido dito e escrito por quem, inclusivamente, participou na mesma, as divergências registadas neste Conselho Euro­peu radicaram em questões políticas profundas e de elevada densidade.

Não se deve­ram a questões técnicas ou meramente financeiras. Assentaram em diferentes formas de ver e de encarar o papel da UE na região em que se insere e no próprio mundo; assentaram em diferentes visões e diferentes entendimentos de muitos dos princípios em que assenta o próprio projeto comunitário europeu; assentaram em dife­rentes conceções de muitos valores historicamente associados à cultura e à civilização ocidentais.

Ou seja, e em síntese, divergências que estão muito para além das habituais clivagens políticas normais e naturais de se verificarem em sede do Conselho Europeu. Talvez, por isso mesmo, esta recente cimeira do Conselho Europeu tenha sido, por uma vez, verdadeiramente essencial e determinante para o futuro da União Europeia.

Não é suposto que a questão dos migrantes que buscam solo europeu se consiga resolver nos tempos mais próximos; mas também não se vê como poderá a União e os seus Estados-membros conviver com esse problema sem, relativamente ao mesmo, terem um mínimo entendimento comum.

A notícia, recente, da possível demissão do ministro do interior alemão (CSU) em oposição às políticas de Merkel relativamente ao tema das migrações é outro indicador da importância e relevância do tema para o futuro da Europa e dos europeus.

A chegada às esferas do poder, em diferentes Estados-membros, de movimentos populistas e extremistas, de esquerda ou de direita, acaba por ser a razão mediata que determina o espoletar desta nova e anunciada situação de crise por que passa a Europa da União. Assim, será também ao nível estadual que essa crise anunciada se poderá resolver. E pensar que será ao nível do Conselho Europeu que se encontrarão diferentes e milagrosas soluções para a mesma é pura miragem e ficção.

Mas reconduzir essa solução para o nível estadual obriga-nos, em última instância, em reconduzir a sua solução para as mãos dos eleitorados dos Estados-membros. Dos cidadãos europeus. E enquanto estes não sentirem, efectivamente, o projeto europeu e não se sentirem partícipes desse mesmo projeto, nenhuma solução consistente e sustentável poderá ser encontrada.

E esse é o desafio que a União tem pela frente: saber sensibilizar os cidadãos europeus para as suas causas e para os seus desafios. Enquanto esse trabalho, hercúleo e gigantesco, estiver por fazer, o destino da União estará traçado: arrastar-se de crise em crise. Até à crise final. Que fatal e infelizmente acabará por chegar.