Há dias, um cronista que até aprecio, João Miguel Tavares, escreveu no Público um artigo sobre “as boas notícias vindas de França” com os resultados da primeira volta das eleições presidenciais, que lá tiveram lugar no dia 23. Para Tavares, a “vitória” de Macron é “uma excelente notícia, que nos deveria alegrar a todos”, já que demonstra que “a decadência dos partidos tradicionais” não fez a democracia cair “nas mãos dos xenófobos, dos chavistas ou dos palhaços”: embora “as pessoas” estejam descontentes com os partidos que geralmente governam e que “se têm mostrado imunes às reformas”, a “mudança” que “querem” é a prometida pelo “mobilizador” líder “do centro”, o “mais europeísta e ponderado dos candidatos presidenciais”.

Embora compreenda o desejo de ver no mais fugaz sinal de uma luz ao fundo do túnel um motivo para respirar de alívio, não estou tão certo como Tavares de que os resultados eleitorais franceses sejam boas notícias acerca do que “as pessoas” pensam acerca de “xenófobos”, “chavistas” e “palhaços”. Em primeiro lugar, porque “as pessoas” não têm uma só opinião. Algumas pessoas – 24% – preferiram realmente Macron, mas os restantes 76% preferiram outras alternativas: 21,3% escolheram o nacionalismo antiliberal de Le Pen, 20,1% o gaullismo “duro” de Fillon (quem pense que os seus eleitores se deixaram seduzir pelo seu “thatcherismo” tão falso como o de Sarkozy antes dele, e não pela sua atitude contra a imigração, talvez esteja equivocado), 19,6% o esquerdismo “insubmisso” de Mélenchon (é difícil perceber se ele será o representante dos “chavistas” ou dos “palhaços”. Talvez uma letal combinação dos dois), 6,4% o socialismo moribundo de Hamon, e 8,8% uma série de candidatos marginais. Tavares tem razão ao louvar Macron por não “encaixar” no “molde” dos candidatos radicais, mas essa foi precisamente a razão pela qual grande parte dos franceses escolheu não votar nele.

É verdade que segundo uma sondagem da Ifop, Macron terá na segunda volta cerca de 61% dos votos, com 43% dos apoiantes de Fillon na primeira volta, 70% dos (poucos) apoiantes de Hamon e 50% dos apoiantes de Mélenchon a transferirem o seu apoio para o antigo ministro de Hollande. Mas essa transferência parece acima de tudo ser o reflexo de uma (ajuizada) aversão a Le Pen do que de um entusiasmo pelo “centrismo” de Macron, e convém notar que uma parte não despicienda dos votantes dos candidatos eliminados – entre os quais, 31% dos de Fillon – prefere o “discurso xenófobo” de Le Pen à “ponderação” de Macron, que dificilmente conseguirá nas legislativas de Junho próximo uma maioria parlamentar que lhe permita governar sem estar dependente dos humores de “gaullistas” e socialistas enfraquecidos, perante a oposição de todos os radicais e da rua.

Os resultados de dia 23 reflectem assim, não uma “vitória” de um reformismo centrista, mas a crescente fragmentação do sistema político francês, um exemplo perfeito da “desmiogarquização” das democracias ocidentais: eleitorados descontentes com o status quo mas receosos das reformas que o poderiam melhorar, responsabilizam os partidos de governo pelos resultados da manutenção do status quo que não querem ver reformado, votando em partidos radicais ou não votando de todo, diminuindo as condições dos governos para realizarem reformas, agravando o problema num ciclo vicioso de degeneração da vida democrática.

Tal como Tavares, também eu preferia Macron a qualquer alternativa, e caso fosse francês, teria votado nele sem hesitações. Duvido, no entanto, que da sua eleição venha qualquer “boa notícia” que não a simples derrota de todos os outros. Tavares termina o seu artigo dizendo que “as más notícias seguem dentro de momentos”. Não podia concordar mais. E, infelizmente, essas más notícias não vão demorar muito a surgir.