O quadragésimo quinto aniversário da Constituição Portuguesa fica marcado por três acontecimentos que importa trazer à colação. Por uma questão de hierarquias, comecemos pelo primeiro. Aquele que tem como protagonista a figura que representa a República Portuguesa, o Presidente da República.

Assim, Marcelo Rebelo de Sousa assinalou o “marco histórico” da aprovação da Constituição, considerando uma honra o facto de, enquanto deputado constituinte, ter participado na elaboração e na aprovação do texto constitucional. O que Marcelo não fez questão de recordar foi o ambiente em que decorreram os trabalhos da Assembleia Constituinte. Esqueceu-se, por exemplo, do cerco ao Palácio de São Bento, em 12 e 13 de novembro de 1975, numa conjuntura em que a revolução social andava à solta nas ruas. Também omitiu que o texto aprovado era marcadamente ideológico e, como tal, precisou de várias revisões, designadamente em 1982 e 1989 para ser depurado da poeira revolucionária que o cobria.

O termo “revolucionária” permite a passagem para o segundo acontecimento. Aquele que se prende com a vontade do PCP em oferecer um exemplar da Constituição aos alunos a partir dos 12 anos do 3.º ciclo do Ensino Básico ao Secundário. Uma estratégia destinada, segundo o partido, a defender a Constituição contra os seus inimigos. Uma estratégia louvável não fosse o caso de o PCP ter sido o partido que mais se opôs às revisões constitucionais e, logicamente, ao atual texto da Constituição, tendo votado contra as seis primeiras revisões: 1982, 1989, 1992, 1997, 2001 e 2004 e optado pela abstenção aquando da sétima revisão em 2005.

Face ao exposto, na impossibilidade de oferecer o exemplar da Constituição que vigorou de 1976 a 1982, por uma questão de coerência, talvez o PCP deva oferecer um exemplar onde apenas conste o Preâmbulo, sem valor normativo, mas que continua a “abrir caminho para uma sociedade socialista”, e a Parte I, aquela que trata dos Direitos e Deveres Fundamentais, acrescentada de alguns artigos das outras Partes, designadamente aqueles que estipulam a “eliminação dos latifúndios” – art.º 94.º –, a participação dos trabalhadores “na definição da política agrícola” – art.º 98.º – ou “o controlo na gestão das empresas” pelas comissões de trabalhadores – art.º 54.º.

A Economia serve de ponte para o terceiro acontecimento. Aquele que decorre da decisão de António Costa pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva dos três diplomas sobre os apoios sociais aprovados pela Assembleia da República e promulgados por Marcelo. Uma estranha inversão de papéis, uma vez que, após a diminuição dos poderes presidenciais, na sequência da revisão de 1982, é o Presidente que habitualmente recorre a essa figura para fazer prova de vida, uma vez que o poder de veto presidencial representa uma espécie de poder do fraco.

Sendo certo que, como Jorge Miranda defende, a Constituição consiste essencialmente num complexo de princípios e não de preceitos, os três acontecimentos elencados provam que, apesar de a Constituição estar a caminho do meio século, a sua leitura depende muito das lentes com que é lida.

Como a História mostra, as revoluções nascem para fazer constituicões que, uma vez aprovadas, matam as revoluções e instituem uma nova ordem. Que, em Portugal, haja quem continue a não aceitar a morte da revolução são contas de outro rosário.