Foi em Haia, em Junho de 2025, que a NATO deixou cair, com um sorriso diplomático e um punhado de promessas de prontidão e mesmo muito dinheiro, a máscara do seu novo pragmatismo. Sob a batuta eficaz de Mark Rutte — o hábil neerlandês que Washington tanto aprecia pela capacidade de ser simultaneamente europeu e útil —, a Aliança Atlântica selou um compromisso que, para além da espuma dos discursos, visava uma coisa só: fazer a Europa pagar. Não pagar simbolicamente, nem pagar o justo — pagar muito mais e pagar aquilo que Trump quer.
O objectivo era simples, e a táctica transparente para quem soube ler os sinais de Trump desde 2016: a balança comercial entre os EUA e a Europa tinha de ser corrigida à americana — isto é, à força. Os europeus exportam tecnologia de ponta, carros, serviços financeiros, vinho e cultura — mas não têm como concorrer com a grande indústria bélica americana, quando esta é colocada no centro de um conflito existencial para a Europa. A “paz através da força” não é uma doutrina diplomática — é um modelo de negócio e Trump está a usá-lo na Ucrânia de forma eficaz, mas sem paz aparente.
Ao obrigar os aliados a comprometerem-se com orçamentos de Defesa acima dos 3% e até os 5% do PIB, o que Trump fez foi abrir a torneira dos contratos para a Lockheed Martin, a Raytheon e os demais players do complexo industrial-militar. Rutte garantiu o sorriso americano e os líderes europeus disfarçaram o embaraço ideológico — mas foi Trump quem venceu o braço-de-ferro. A NATO, que em tempos se quis escudo de valores partilhados, tornou-se agora um balcão de compras para a indústria americana.
A Europa, que há dois anos se prometia geopolítica, tem hoje o papel modesto de patrocinadora. Não está na mesa das decisões relevantes nem para a paz na Ucrânia, nem para o futuro da arquitectura de segurança no continente. É observada com benevolência por Zelensky, que a vê como fiadora de última instância da sua sobrevivência política, e com cinismo por Washington e Moscovo, que sabem bem quem tem poder e quem tem apenas contas para pagar.
A Ucrânia tornou-se, para a União Europeia, um compromisso sem autonomia. Apoiar Kiev já não é uma decisão estratégica: é um acto automático, quase inercial, que serve para manter o prestígio moral e evitar uma fractura interna no seio da própria União, mas é também a forma de manter a guerra o mais longe possível de todos nós. Mas, em Bruxelas, já poucos acreditam que o esforço de guerra europeu se traduza em influência efectiva sobre o curso do conflito. A voz europeia pesa cada vez menos. Há semanas em que nem ecoa. E Putin tem o seu caminho já delineado e não o fará aos ziguezagues.
Não é que a Europa não tenha recursos, ou inteligência diplomática. É que se deixou encostar à parede por uma nova doutrina americana: a do reembolso estratégico. A América já não paga para liderar. Lidera e cobra. A guerra serve, assim, não apenas para conter a Rússia, mas também para disciplinar os aliados. E a disciplina custa dinheiro — muito dinheiro.
O mais notável neste novo arranjo é que foi aceite sem verdadeiro debate político. Em nome da “unidade ocidental”, os governos europeus alinharam-se com a exigência de reforço orçamental em defesa, mas não exigiram, em troca, voz proporcional nas decisões. A ilusão é a de que mais aviões comprados a Trump, ou mais mísseis adquiridos à América, nos trarão autonomia. Mas a verdade é que não há orçamento que compre soberania quando a vontade política é ausente.
Zelensky sabe-o melhor do que ninguém. Já não espera da Europa liderança, apenas liquidez. Os seus pedidos têm cada vez mais o tom de um gestor que procura novo financiamento em vez de um estadista que convoca uma frente política. A legitimidade da sua resistência depende, hoje, tanto dos dólares de Washington como dos euros de Bruxelas. E, num cenário de cansaço da opinião pública, o pilar europeu tornou-se crítico para a sua própria sobrevivência.
É irónico que o maior esforço financeiro da Europa desde o Plano Marshall esteja a ser feito sem qualquer retorno político visível. Ao contrário de 1947, não há um George Marshall europeu. Há muitos técnicos, muitos programas, muitas tabelas Excel — mas nenhum projecto mobilizador. A Europa não lidera, apenas sustenta. E, na geopolítica, quem apenas sustenta, rapidamente se torna irrelevante.
Trump queria um continente submisso e pagador. Conseguiu-o. A nova NATO, embora vestida com os trajes do multilateralismo, é cada vez mais um clube de compradores. E a Europa, sem narrativa estratégica, tornou-se o cliente ideal: rico, culpado e sem exigências. A guerra na Ucrânia, que poderia ter sido a oportunidade de refundação do papel europeu no mundo, tornou-se, em vez disso, um recibo — um longo, pesado, e silencioso recibo.
Enquanto isso, Putin continua a calcular movimentos com frieza imperial, Trump redesenha a ordem mundial à sua imagem, e Zelensky joga com o que tem. Só a Europa permanece suspensa entre a moral e a contabilidade. E, ao contrário do que muitos pensam, não é com mais milhões que se recupera influência — é com mais política. Mas essa, infelizmente, parece estar em falta.