Com o virar do novo século, vários autores, sobretudo de origem anglo-saxónica, sugeriram que a contratação pública deveria ter em consideração, para além da primordial e tradicional preocupação em gerar concorrência, permitindo aos Estados comprar pelo melhor “value for money”, um conjunto de outras preocupações relativas, sobretudo, a questões sociais (combate ao desemprego de longa duração) e ambientais.

Ou seja, os Estados deveriam utilizar os 16% que a contratação pública (em média) representa no PIB europeu para realizar ou facilitar um conjunto de outras atribuições e competências públicas. Nasceu, assim, a ideia de a contratação pública ser impregnada por um conjunto de políticas secundárias.

Hoje, mais do que em políticas secundárias fala-se em contratação estratégica, mas a racionalidade e o propósito são, razoavelmente, os mesmos (ainda que com maior intencionalidade): perceber que o Estado, sendo um grande comprador, pode e deve ter uma visão estratégica quando compra bens, aproveitando essa sua necessidade para criar uma oportunidade para realizar outos fins a que também se encontra adstrito.

Em concreto, há um consenso generalizado de que o Estado não deve comprar a qualquer fornecedor (designadamente com dívidas fiscais ou à Segurança Social), nem deve comprar de qualquer modo (favorecendo a qualidade sobre o preço), como também pode e deve avaliar a realização de interesses sociais e ambientais quando escolhe um bem em detrimento de outro.

Ninguém discordará desta visão holística da contratação pública, nem tão-pouco da importância que esta tem no desenvolvimento das economias e das sociedades. Mas para realmente concretizar esta visão, precisamos de duas coisas: estratégia política, na medida em que falamos de contratação pública e empresas capazes de implementá-la.

Bem sabemos que é mais sexy anunciar novos projetos, novos concursos ou novos investimentos, mas é por demais evidente que esses novos projetos, concursos e investimentos só terão destinatários, se houver empresas capazes de os executar e se, entretanto, o desemprego não estiver em níveis dramáticos.

Em todo o caso, numa avaliação sincera, não se pode deixar de reconhecer que tem havido mais intenções que uma verdadeira contratação estratégica. A visão de curto prazo ou imediatista, mas também a sempre patente oposição da Comissão Europeia (por contraponto ao Parlamento Europeu), tem impedido que, na prática, as compras públicas tenham sido verdadeiramente estratégicas.

Porém, com a crise que inevitavelmente se seguirá a esta pandemia, nunca as compras públicas serão tão estratégicas para encontrarmos um caminho que a suavize, combatendo o desemprego, mantendo o máximo da nossa capacidade produtiva e a criação de riqueza.

Não basta dizer que se combaterá a crise com mais compras públicas ou mais investimento público, porque este demorará sempre meses ou até anos a chegar ao terreno. Hoje, estratégico na contratação pública não são os (futuros) novos contratos, mas a forma como se executam os contratos em vigor. É através desses contratos que se poderá combater, a curto prazo, o desemprego e que se jogará o destino imediato das empresas.

Hoje, mais do que em qualquer outro ponto na nossa história, a contratação estratégica tem que sair do papel para influenciar determinadamente o decisor político. Na semana passada um conjunto de especialistas em contratação pública lançou uma carta aberta ao Governo, sugerindo um regime excecional de execução dos contratos públicos que permita, precisamente, debelar parte do que atrás se explicou. Esperemos bem que a carta seja lida e os técnicos ouvidos.