A expressão “nepotismo” é terrível pela carga negativa que arrasta consigo. E quando ouvimos falar em nepotismo em empresas familiares, somos assaltados pela visão de acionistas a empurrar à pressa jovens herdeiros da geração seguinte para posições de liderança e responsabilidade, em detrimento de gestores profissionais externos que estariam muito mais bem preparados.
Claro que isso está errado e vai inevitavelmente prejudicar a capacidade de crescimento e valorização da empresa. Então porque razão a maioria das empresas familiares prepara um ou mais jovens da família para assumir a presidência executiva, associando essa atitude à depreciativa expressão de “nepotismo” ? Essa atitude está errada ? Claro que não, e milhares de casos demonstram que um sucessor da Família bem preparado para assumir as rédeas da empresa é melhor do que um profissional externo, por mais brilhantes que sejam as suas credenciais.
De facto, abraçar o nepotismo em empresas familiares não é apenas uma questão de favoritismo – é uma fonte de vantagem competitiva que alavanca lealdade profundamente enraizada, confiança, valores partilhados e a compreensão do negócio para promover a estabilidade e o sucesso a longo prazo.
Na prática, o nepotismo é virtuoso mas deve ser obviamente limitado impedindo a oferta de benefícios excessivos para membros da família, amigos ou conhecidos próximos com base em conexões pessoais, em oposição a outros funcionários devido às suas competências, capacidades e experiência. O mesmo acontece com a exibição de favoritismos injustificados no seio da equipa de colaboradores levando-os a sentirem-se alienados e vitimados por um comportamento antiético sinal de excessivo nepotismo.
O nepotismo virtuoso exige esforço da Família para tornar a entrada de familiares no negócio virtuosa, em particular no caso da sucessão do líder executivo. Com base no trabalho da Prof. Calista Baird, da C.H. Lute School of Business, podemos sistematizar esse esforço em sete critérios chave:
- Garantir uma formação académica e empresarial sólida para o lugar
A preparação de um plano de integração externo é fundamental para que um membro da próxima geração tenha os conhecimentos e a autoconfiança para enfrentar a sua carreira na empresa, seja ou não um candidato a sucessor do líder. Trata-se de frequentar as escolas mais apropriadas e trabalhar em empresas prestigiadas que prologuem a sua formação
- Conviver com a organização antes de assumir cargos de topo
Lado a lado com colaboradores, aprende-se como é importante abordar o nepotismo, retirar a carga negativa e enaltecer as vantagens. E ter a família a trabalhar na empresa potencia a absorção dos valores no seio da organização, fazendo-a entender que a sucessão familiar se destina a servir a família e fortalecer o seu empenho na empresa.
- Compreender e absorver o ethos e os valores fundamentais da Família e do negócio
Nas empresas familiares, o nepotismo pode ser decisivo para construir o sucesso a longo prazo retratando o ethos e os valores partilhados no local de trabalho. Quando os membros da família trabalham no negócio assimilam melhor os valores e objetivos da empresa e isso permite uma melhor eficácia do seu contributo. Este efeito reforça a lealdade e a união no seio da Família e incentiva os seus membros a darem o seu melhor, gerando um ciclo virtuoso.
- Adotar com rigor o Protocolo e o Conselho criados para gestão da união familiar
Estabelecendo-se como um “charter” indispensável na relação da família e desta com o negócio, o Protocolo de Família deve ser conhecido, assimilado e seguido com rigor por todos os membros da família como pilar fundamental da sua união, materializado nas reuniões do Conselho de Família. São assim elementos basilares do nepotismo virtuoso.
- Assegurar um sentido de compromisso que crie lealdade, confiança e humanismo
O convívio laboral na empresa gera um compromisso conjunto que evidencia o contributo do nepotismo em empresas familiares. Podem colocar-se preocupações sobre a equidade, mas cria um forte sentimento de lealdade, confiança e valores partilhados. A experiência mostra que quando há confiança, lealdade e comunicação fluida na empresa, o nepotismo pode aumentar o sucesso de uma empresa familiar.
- Empreender uma Inovação compatível com a visão de longo prazo
Nas empresas familiares, a partilha de valores e o compromisso familiar resultante do nepotismo contagia o foro interno estimulando uma inovação agressiva, possibilitada capacidade de investimento e orientada pela visão de longo prazo estabelecida.
- Estimular o fortalecimento de relações externas
O nepotismo virtuoso gera um ecossistema que se estende à rede de relações externa da empresa familiar. A comunhão de valores, a consciência da importância do negócio e a reputação aplicados pela Família com clientes, fornecedores ou entidades institucionais constituem atributos distintivos de enorme valor para o sucesso da empresa.
Como corolário, concluímos que o nepotismo não é naturalmente prejudicial numa empresa familiar, pelo contrário, podendo ser uma fonte de vantagens competitivas distintivas como refere a Prof. Bird. “Quando o nepotismo é gerido de forma justa, pode ser um ativo poderoso que fortalece as empresas familiares através da construção de lealdade, confiança e uma partilhada visão para o sucesso”.
A terminar, há no contexto de empresas familiares em Portugal uma perspetiva particular que não podemos deixar aqui escapar sem comentários. Algumas empresas familiares têm advogado uma separação rígida entre gestão do negócio e Família, defendendo profissionais externos nos lugares chave de gestão da empresa e, sob o já muito repetido conceito “Família é Família e Negócio é Negócio”, combater qualquer tipo de nepotismo nas suas empresas – usando o termo no seu sentido mais pejorativo e destrutivo.
O interessante é que, quando mergulhamos nestes casos, vemos frequentemente que a geração seguinte não ofereceu condições para receber postos de liderança executiva… e que até existem membros da geração seguinte em lugares de administração executiva de cariz mais técnico, uma contradição ao princípio de “zero nepotismo”. Esta limitação de força maior por inferioridade de competências na geração seguinte estará seguramente na base do “posicionamento anti-nepotismo” dessas empresas. E por isso a sua postura não diminui a superioridade do nepotismo em empresas familiares – pelo contrário, reforça-a.