Na sua última audição parlamentar, a ministra da Coesão Territorial, falando da necessidade de promover obras na rede rodoviária em pontos sensíveis do território nacional, envolvendo um investimento de €143 milhões, para as quais o Governo está impedido de alocar fundos europeus, disse que o dinheiro não tem cor.

A solução encontrada pelo Governo para financiar estes projectos rodoviários consta da Resolução do Conselho de Ministros publicada no princípio de Maio: parte das receitas resultantes do leilão da ANACOM, destinado à atribuição do espectro radioeléctrico para rede 5G, será canalizada para fazer face a este investimento, em vez de utilizadas para fazer chegar a rede da 5ª geração aos locais mais recônditos de Portugal, incluindo os que não vão ser cobertos pelas operadoras privadas. Em contrapartida, nessas regiões, o objectivo da cobertura de rede será atingido através de investimento público, com afectação de recursos do Portugal 2030.

Em nome da coesão económica e social e inspirado no princípio dos vasos comunicantes, o Governo afecta os recursos de forma hábil e em função da elegibilidade das despesas em cada quadro comunitário de apoio.

Foi também em prol da promoção da coesão territorial que o Governo aprovou, em Novembro de 2020, o alargamento do sistema de descontos nas taxas de portagem cobradas em auto-estrada ex-SCUTs e noutras do interior de Portugal, tendo regulamentado essas medidas, de forma detalhada, através da Portaria nº 309-B/2020, de 31 de Dezembro.

Precisamente na mesma data, foi publicado, no Diário da República, o Orçamento do Estado para 2021, que integra a génese de outro mecanismo de desconto que é, no mínimo, sui generis: por um lado, porque apenas abrange 8 das 11 auto-estradas englobadas no sistema de descontos aprovado pelo Governo. E, por outro, porque estabelece o desconto – de 50% para veículos a combustão e de 75% para veículos eléctricos e não poluentes –, sem definir a tarifa sobre a qual os mesmos incidem.

Na referida audição parlamentar, embora resignada, a Ministra comunicou ser intenção do Governo cumprir a lei do OE e salientou as dificuldades na implementação desta medida – aprovada por uma maioria parlamentar igualmente sui generis e a contragosto do Governo –, invocando “questões contratuais complexas” resultantes dos contratos existentes e a necessidade de “negociar equilíbrios financeiros”.

É o Estado quem determina as regras do jogo. Quando os privados, que vão a jogo, estão empenhados na execução dos contratos firmados, são confrontados com decisões políticas que, independentemente da sua bondade, provocam desequilíbrios nos contratos existentes. Mas num Estado de direito, as regras do jogo estabelecem que desequilíbrios têm de ser repostos.

Quando indagada sobre se existe abertura no Governo para rever o modelo das PPP rodoviárias, a Ministra referiu que grande parte das concessões terminam em 2023, dando a entender que esta poderia ser uma boa altura para proceder à reanálise desta vexata quaestio.

Ora, a maior parte das (sub)concessões rodoviárias, adjudicadas por um período de 30 anos, tiveram o seu início entre 1999 e 2009, pelo que os respectivos contratos apenas terminarão entre 2029 e 2039.

Esperamos que se trate, apenas, de uma falta de rigor da governante e não de uma velada comunicação da intenção de resgatar as concessões, que o Estado tem a faculdade de realizar, por regra, nos últimos cinco anos de cada concessão, desde que o superior interesse público o justifique. É que também esta decisão tem um preço (pesado para o erário público) e ninguém tem vontade de ver a cor do dinheiro necessário para o pagar.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.