1º ato. Há pouco mais de uma semana Donald Trump anunciou taxas alfandegárias de 50% sobre as importações de bens provenientes da União Europeia. Esse nível de tarifas, se fosse implementado, virtualmente inviabilizaria o comércio internacional entre os dois blocos, o é inverosímil.

De certa forma, os 50% foram para a UE o que os 145% tinham sido para a China: uma pedrada no charco que pretendia abrir espaço para negociação. Ficamos a saber duas coisas: 1) Trump quer negociar; 2) Os 50% são o teto para as tarifas. Como seria de esperar e tem acontecido tantas vezes desde a sua tomada de posse, Trump recuou sob a forma de um adiamento.

2º ato. O bromance de Donald Trump com Vladimir Putin já teve melhores dias. Ao presidente russo parece ser conveniente tudo o que permita adiar um cessar-fogo e navegar a ambiguidade norte-americana, evitando reforços de meios à Ucrânia. Trump tem vindo a descobrir que as 24h para terminar a guerra estão a ser longas, mas surpreendeu terá sido a forma como adjetivou Putin de “louco”.

Trump quer abrir espaço para negociar e o “louco” será o equivalente às tarifas de 50% e 145%? Nos últimos dias, o presidente dos EUA tem também confessado a sua desilusão com Benjamin Netanyahu.

Epílogo. Sem prejuízo dos objetivos que Trump tenha para as negociações com a Europa, Rússia e Israel, não pode passar despercebido o timing destas iniciativas. Recentemente, o foco dos mercados tinha passado da “guerra comercial” para a sustentabilidade da dívida pública dos EUA.

As taxas a 30 anos atingiram 5% e o mote “sell America” esteve tão presente nas capas de jornais como nos relatórios dos comités de investimento. Este ano, os EUA gastarão mais em serviço da dívida do que em defesa, as três principais agências de rating já não consideram os T-bonds merecedores da notação “AAA” e o rácio de dívida sobre o PIB já está acima de 122%, quando em 2019 era de 106% e em 2007 de apenas 62%.

A vitória no voto popular, a par do controlo da Casa Branca e do Senado, abriu uma janela de oportunidade para Trump atacar o problema da dívida de forma séria e pragmática, que parece estar a fechar-se. O DOGE de Elon Musk não terá conseguido poupanças relevantes e a política fiscal do atual presidente não é credível.

O esforço mediático de Trump parece ser uma cortina de fumo para que a dívida dos EUA deixe de estar no centro das atenções. Os efeitos de um “sell America” mais profundo poderiam ser avassaladores.