Tenho uma reclamação a aguardar resposta da CP há dois meses. Eventualmente, não têm pessoas suficientes. Resolvo espreitar o Relatório e Contas de 2016, o último disponível no site. De um quadro de 2.737 colaboradores, 1.253 são comerciais, indica o relatório.
Fico a pensar… comerciais? 1.253? Quando em muitas estações já nem estão pessoas? A não ser utentes, nas filas para as máquinas, claro. Quem são estes comerciais e o que fazem? Depois leio que em acções de formação diversas estiveram 2.632 colaboradores. Um dos módulos é denominado “Clientes”, certamente desenhado para os comerciais. Afinal, talvez não, porque, neste módulo, estiveram apenas dez colaboradores. Calculo que os clientes sejam então o menos importante para esta empresa.
Mas temos de ser optimistas. O site indica como objectivos estratégicos: 1) a promoção da eficiência e 2) o alcance da sustentabilidade económico-financeira. Como é que o pretendem fazer, não dizem!
Tendo em conta que no final do primeiro semestre deste ano o capital próprio será negativo em 2,246 mil milhões de euros, que a dívida ascende a 2,6 mil milhões e que só em 2017 e 2018 já foram injectados mais de 570 milhões de euros na empresa, parece-me que alguma coisa está claramente a falhar na concretização deste segundo objectivo.
Os 55 milhões disponibilizados em 2018 servem “para suprir as necessidades correntes do serviço da dívida, investimento e alguns gastos com pessoal pelo acordo histórico de abonos variáveis”. Ou seja, na realidade, tesouraria. Mas quer saber a melhor parte? Não obstante estas entradas de capital brutais, o presidente da CP diz que “se mantêm as restrições orçamentais e a ausência dum contrato de serviço público definidor de obrigações e respectivas compensações financeiras”. Estamos a falar de quê? A que compensações financeiras se refere?
De resto, todo o discurso no Relatório e Contas é muito positivo. Realçam até que “2016 foi um ano bissexto” durante o qual “não se registaram greves”. Resumindo, um ano em grande!
Lendo o Relatório e Contas, é admirável a excelente forma como a empresa tem evoluído. Chego por isso à conclusão que, afinal, a CP só não tem comboios. De resto, está tudo bem, até porque o dinheiro vai caindo sempre aos milhões. O parque tem 373 unidades activas e 333 inoperacionais. É um bom rácio numa empresa que se assume como “a maior empresa de transportes terrestres a operar em Portugal”.
Para 2019 vão alugar mais quatro comboios à espanhola Renfe. Têm actualmente 20 composições alugadas por sete milhões de euros por ano. Diz a CP que tem de abrir um concurso público para a compra de comboios, mas que tal demorará três a quatro anos. Quatro anos para abrir um concurso…? E estes contratos de aluguer são por quanto tempo e em que condições, nomeadamente de manutenção?
Segundo li, só podemos realizar estes contratos de aluguer com Espanha pela distância entre carris ser idêntica apenas nestes dois países, o que nos dá um poder negocial brutal – ao estilo “paga e não bufes”!
Neste magnífico quadro, claro que se começa a falar em privatização. Sendo eu a favor do mercado, quero ver em que condições se privatiza uma empresa neste estado de contas. Infelizmente, calculo que o modelo seja idêntico a outros a que já assistimos e onde algum privado paga uma bagatela e o Estado assume as dívidas. Ou seja, continuamos nós a pagar. E como o privado vai querer, por exemplo, acabar com os tais abonos variáveis, parte tudo para a greve e continuamos também sem comboios.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.